O futuro da aprendizagem está… no trabalho

O futuro da aprendizagem está… no trabalho
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Os sistemas tradicionais não estão a equipar a força de trabalho com rapidez suficiente para acompanhar as transformações em curso. Pelo que a aprendizagem no trabalho – com base na prática, não na teoria, e num ambiente aplicado – pode colmatar a lacuna. Tal implica que decisores políticos, líderes de empresas e educadores colaborem no sentido de uma formação e de uma educação adequadas.

Estamos a viver uma das mudanças mais profundas na natureza do trabalho e dos negócios na história da Humanidade. Em 1975, mais de 80% do valor de mercado das empresas do S&P 500 eram ativos tangíveis, como fábricas; hoje mais de 80% é representado por ativos não físicos, como dados ou software.

Este cenário é impulsionado por uma aceleração exponencial no desenvolvimento tecnológico, como o rápido crescimento de ferramentas generativas de inteligência artificial (IA) que estão a transformar a forma como trabalhamos; as mudanças para dar prioridade à energia verde e ao desenvolvimento neutro em carbono; ou os avanços na forma como pesquisamos e analisamos dados com o recurso a machine learning.

Estas alterações podem criar potencialmente um aumento na produtividade e até resolver enormes desafios globais e sociais. Mas também podem potencialmente fazer sair milhões de pessoas do mundo do trabalho. Muitos trabalhadores enfrentam agora, com o avançar da IA generativa, o risco real de deslocação. Esta ameaça não é distribuída de modo igualitário: pesquisa realizada pela britânica Multiverse (start-up de tecnologia nas áreas da educação e do trabalho) e pelo Burning Glass Institute mostra que ocupações com alta rotatividade e baixos salários são muito mais suscetíveis à automação.

Esta conjuntura está a colocar pressão num sistema de educação tradicional já de si frágil. Sempre houve uma lacuna substancial entre o que é ensinado na escola e na faculdade e o que é necessário no mundo do trabalho. Ouvimo-lo regularmente dos empregadores. Os líderes de empresas afirmam cada vez mais que os licenciados são qualificados em teoria, mas não na prática: necessitam de uma média de 11 meses de formação no local de trabalho antes de se tornarem totalmente eficazes nas suas funções.

Agora, esta lacuna está a transformar-se num abismo. O local de trabalho está a exigir competências adequadas para a década de 2020 e além – como a capacidade de utilizar IA, desenvolver software e gerir bases de dados. Mas as escolas e universidades estão presas ao ensino de currículos que se centram mais no conhecimento do que nas competências, num estilo que evoluiu pouco desde a década de 1990. Esta desconexão entre educação e trabalho cria a impressão de que a educação é a jornada e o trabalho é o destino. O sistema tenta proporcionar cerca de 20 anos de aprendizagem, seguidos de cerca de 45 anos de trabalho, com poucas oportunidades para promover essa aprendizagem. No Reino Unido, por exemplo, no início de 2022 à volta de 47% dos trabalhadores afirmavam não ter realizado formação profissional nos últimos cinco anos.

Educação e trabalho lado a lado
Nesta era de transformação digital, a aprendizagem tem de ser contínua. E a educação e o trabalho podem andar juntos, em que se trabalha em conjunto para orientar de modo contínuo as carreiras, levando, em simultâneo, as empresas e a sociedade para o crescimento económico. Trata-se da aprendizagem baseada no trabalho: formação ancorada na prática, não na teoria, e ministrada num ambiente aplicado. Bem executado, este estilo de aprendizagem enfatiza as competências mais relevantes para as funções, permitindo assim a mobilidade económica. Mais importante: cria oportunidades equitativas ao garantir que a educação não está disponível apenas para aqueles que podem pagar ou tirar tempo do horário de trabalho. Quando se aprende no trabalho, o acesso à educação não está reservado apenas a quem tem meios financeiros para pagar. A aprendizagem no trabalho, ao contrário da aprendizagem em sala de aula, pode ser contínua e ministrada ao longo de uma carreira, como e quando necessário.

Tornar a aprendizagem baseada no trabalho acessível a todos será transformador para os colaboradores, as empresas e a sociedade. Mas também será um desafio, e exigirá a combinação do poder e da vontade dos decisores políticos, dos líderes empresariais e dos educadores. Há exemplos fortes com os quais aprender – quando os Governos incentivam a aprendizagem baseada no trabalho, as empresas seguem o exemplo. Nos EUA é possível observar uma forte correlação entre os Estados com créditos fiscais para aprendizagem e uma maior adesão à aprendizagem. No Reino Unido foi realizada mais aprendizagem nos setores profissionais e nas tecnologias da informação (TI), onde a necessidade de competências é maior.

Os líderes de empresas podem agir ao manter o desenvolvimento de competências no centro das suas estratégias de transformação digital. Comprar software de análise de dados de última geração ou investir em ferramentas de IA terá benefícios limitados se os colaboradores não tiverem as competências necessárias para capitalizar estes investimentos. As organizações devem garantir que financiam as competências da sua força de trabalho tanto quanto investem em tecnologia.

As empresas devem, em particular, procurar requalificar na sua força de trabalho aqueles que correm o risco de serem deslocados pela automação. A requalificação pode colocar as pessoas no controlo das tecnologias emergentes, em vez de ficarem à sua mercê. Para as organizações significa construir a nível interno uma geração de líderes tecnológicos com conhecimento e dedicação institucionais, em vez de ter os custos associados a trazer talento de fora.

Finalmente, as organizações tradicionais de educação têm um papel a desempenhar, ao integrar melhor os cenários do local de trabalho nos seus sistemas de ensino. As escolas e universidades estão sob pressão renovada para garantir que o que ensinam é relevante para o mundo fora das salas de aula. No recente “Project on Workforce” (Projeto sobre Força de Trabalho), Harvard recomenda que os educadores reforcem a ligação entre cursos e empregos, incluindo maior ênfase em exercícios em equipa e no reconhecimento de estágios remunerados. Enquanto a educação e o trabalho forem considerados duas entidades separadas, o fosso entre as competências das pessoas e as necessidades da sociedade só irá aumentar.

As empresas não podem continuar a deixar a aprendizagem nas mãos das instituições de educação, e os educadores não podem continuar a ignorar a realidade do mundo laboral. Ao reunir a aprendizagem e o trabalho podemos construir um grupo de indivíduos com as competências necessárias para prosperar e liderar à medida que a tecnologia se desenvolve, ter uma economia preparada para o futuro e adaptável às necessidades tecnológicas em constante mudança, e uma sociedade com as empresas e as pessoas certas para assumir alguns dos seus maiores desafios e oportunidades. 

20-03-2024


Portal da Liderança

Nota: Artigo adaptado de um texto produzido para a Global Agenda/Fórum Económico Mundial por Euan Blair, fundador e CEO da Multiverse.