Miguel Pereira Lopes: A Governação segundo Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal

Miguel Pereira Lopes: A Governação segundo Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal
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Nesta semana em que assinalamos mais um Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, é justificável analisar os princípios de governação e de liderança de um dos maiores patriotas portugueses: Sebastião José de Carvalho e Melo.

Tendo dedicado parte do meu estudo dos últimos anos a analisar as particularidades da governação Pombalina, julgo que podemos retirar grandes ensinamentos da governação de Portugal nesse período histórico, até porque se tratou de um período com assinaláveis semelhanças com o que vivemos hoje. Por um lado, uma catástrofe sem precedentes – o Terramoto de 1755 na altura e o Terramoto da Troika hoje. Por outro, a saída triunfante e a transformação social e económica do país – as indústrias transformadoras, o mercantilismo e a reconstrução extraordinária de Lisboa na altura e… a esperança do crescimento económico e do bem-estar social hoje.

Importa por isso questionar: o que terá estado na origem de tal capacidade regeneradora e transformativa durante a época da governação Pombalina?

Num trabalho que acabo de publicar no Journal of Management History, parte da resposta à questão anterior situa-se na “estrutura de governação” então criada pelos vários poderes existentes. O poder carismático do Marquês de Pombal, o poder tradicional do Rei D. José, e o poder do conhecimento técnico dos engenheiros que redesenharam e reconstruiram Lisboa, como o General Manuel da Maia, o Capitão Eugénio dos Santos ou o Coronel Carlos Mardel. Foi da combinação simultânea destes três tipos de poder, identificados mais tarde pelo sociólogo Max Weber, que emergiu uma estrutura de governação transformadora e mobilizadora. 

Acresce ainda que, para além desta “liderança tripla partilhada”, outra caraterística desta estrutura de governação esteve também presente: a do respeito do campo entre os titulares destes três tipos de poder. Ao contrário do que por vezes se pensa, as evidências apontam para o facto do Marquês de Pombal não se ter imiscuído nas propostas de reconstrução da cidade de Lisboa. Neste sentido, não terá sido o Marquês a pensar nas “avenidas largas”, ao contrário do imaginário popular sobre o tema. Isso foi trabalho técnico dos engenheiros.

Como grande líder carismático, Pombal deixou trabalhar quem sabia. E limitou-se a escolher de entre as propostas técnicas, aquela que lhe parecia a melhor. E o mesmo se passou na sua relação com o Rei D. José, que o deixava governar à vontade… desde que a decisão final fosse sua (i.e., do Rei), como aliás se viu na questão do corte de relações com a Santa Sé, onde o Rei demorou anos a tomar a decisão defendida por Pombal. 

Em suma, o que cria uma boa estrutura de governança, capaz de mobilizar um povo social e economicamente? Manter vivos e com força todos os três tipos de poder!

E o que aconteceu em Portugal nas últimas décadas? Exatamente o contrário. Podemos especular que o poder carismático conseguiu sobrepor-se a todos os outros, disfarçado de “voto popular”, subjugando o poder técnico-racional e a tradição/valores fundamentais que nos caraterizam como povo histórico. 

Quando os quadros superiores da Administração Pública são nomeados pelo poder político-carismático, vemos desaparecer a racionalidade técnica das decisões. E quando o próprio Presidente da República governa mais interessado na sua próxima reeleição, vemos desaparecerem os valores fundamentais da alma Portuguesa. Só resta a irracionalidade e a paixão irrealista e momentânea que é própria do carisma, um catavento que um dia diz que vai fazer um novo aeroporto de Lisboa na Ota e no dia seguinte que será a sul do Tejo, e no dia ainda a seguir que afinal já não vai sequer existir novo aeroporto. E é apenas um exemplo entre os milhares que todos conhecemos.

E o resultado evidente desta estrutura de governação não balanceada é… a vinda da Troika! E o mais preocupante é… que em termos desta estrutura de governação, nada se alterou, pelo que em breve teremos seguramente mais “Troikas” para nos governar.

Mas como estamos em semana de comemoração, não resisto a terminar com um tom otimista, que advém da minha análise recente de uma carta que o Marquês de Pombal escreveu ao Governador do Maranhão em 1761 acerca “Da Boa Forma de Governar”, num trabalho que estou a ultimar. E o Marquês começa essa carta dizendo que o Bom Governante deve ser como um professor, ajudar os outros a crescerem, a desenvolverem-se e a melhorarem continuamente. Que um bom governante deve governar com amor e benevolência, como se fosse um pai.

Mas de seguida, Pombal revela a sua veia mais maquiavélica, pois, se devemos Governar/Liderar com bondade, temos de seguir a justiça e não podemos tolerar aqueles que não querem aprender e contribuir para o todo. Nas suas próprias letras, a presença de um membro podre exige que esse membro seja cortado de imediato do resto do corpo… para não contaminar os outros membros! E termina dizendo que a arte de bem governar corresponde a um balanceamento e equilíbrio entre estas duas filosofias: o amor e o medo.

Com isto, Pombal abre-nos uma esperança sobre a possibilidade de alterarmos a estrutura de governação em que vivemos hoje em Portugal, dominada apenas por político-carismáticos e sem racionalidade técnica ou visão histórica de futuro. E essa esperança é a de que, ainda que de forma moderada e balanceada, consigamos cortar a influência que os “membros podres” têm em excesso e repor um equilíbrio de poderes que torne o nosso país numa nação mais sustentável e racional.

 


Miguel-Pereira-LopesMiguel Pereira Lopes é professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP/UTL) e investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP). No passado foi professor e investigador na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, professor no instituto Nova Forum – Formação de Executivos, professor na Angola Business School, no INA e no ISPA. Tem uma licenciatura em psicologia pela Universidade de Lisboa, um doutoramento em Psicologia Aplicada pela Universidade Nova de Lisboa e um pós-doutoramento em Economia pela Universidade Nova de Lisboa. Tem trabalhos publicados em revistas internacionais como Organization, Management Research, International Business Research, Social Networking, Journal of Positive Psychology, Journal of Enterprising Culture, International Public Management Review, Encyclopedia of Positive Psychology, Social Indicators Research, Journal of Socio-Economics, Journal of Industrial Engineering and Management, American Journal of Industrial and Business Management, Business & Entrepreneurship Journal ou Public Management Review. É autor ou co-autor dos livros Psicologia Aplicada (RH Editora), O Mundo é Pequeno (Actual Editora), Organizações positivas: Manual de trabalho e formação (Sílabo), Gestão e Liderança de Talentos… para Sair da Crise (RH Editora), Paixão e Talento no Trabalho (Sílabo), e Good Vibrations: Three studies on optimism, social networks and resource-attraction capability (Lambert Academic Publishing). Faz parte do Editorial Board do Journal of Leadership & Organization Studies.