Quando foi a última vez que perguntou “por que estamos a fazer assim?”

Quando foi a última vez que perguntou “por que estamos a fazer assim?”
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Esta é uma das muitas questões difíceis que líderes de excelência como Brian Cornell, da americana Target, e Guy Wollaert, ex-Coca-Cola, se colocam, e às suas equipas diversificadas. Tal permite-lhes ouvir e experimentar novas ideias que têm um efeito dominó e conduzem a decisões de negócio mais inteligentes.

Hal Gregersen

Quando há muito em jogo pode ser difícil para os líderes, sobretudo os seniores recentemente em funções, fazer uma pausa antes de agir. Seguem-se alguns exemplos sobre como darmos tempo a nós próprios para refletir e liderar ao colocar perguntas, com base na experiência e percursos de liderança de Guy Wollaert e Brian Cornell. 

Numa altura em que muitos retalhistas enfrentam dificuldades, na Target o negócio prospera. E ainda há não muito tempo o futuro da marca discount parecia pouco brilhante. Quando o CEO, Brian Cornell, assumiu a liderança da companhia dos EUA em agosto de 2014, herdou uma estrutura que se debatia com dificuldades há alguns anos, que assumia poucos riscos, e que se mantinha muito próxima do seu core de negócio. Desde então a Target tornou-se mais ousada, expandiu a oferta através de colaborações com marcas de peso como Lilly Pulitzer, Toms, Neiman Marcus ou SoulCycle; além de que atualizou linhas de produtos para quebrar o status quo. Mas Brian Cornell não começou logo por fazer grandes mudanças. O executivo levou o seu tempo a analisar cuidadosamente a abordagem, a ouvir a equipa e a fazer perguntas.

Guy Wollaert, hoje dono da empresa especializada em inovação Idea-Value-Impact, teve uma experiência semelhante noutra marca com grande visibilidade mundial, a Coca-Cola (de onde saiu em abril de 2015). Durante os mais de 20 anos na marca global de bebidas, e lá mais para o fim no cargo de chief technical and innovation officer, Guy Wollaert fez questão de procurar – e cercar-se de – novas ideias e pessoas que o desafiassem a refletir e a perguntar em primeiro lugar, e a agir mais tarde.

Criar um ecossistema em que as equipas se questionam
A liderança de sucesso não tem apenas a ver com o líder, tem também a ver com a equipa. Para que as iniciativas avancem os líderes devem criar equipas diversificadas, enquanto procuram perspetivas únicas externamente, seja junto de parceiros de negócios ou de clientes.

Quando, na Coca-Cola, foi solicitado a Guy Wollaert que criasse a área denominada Global Juice Center (o que implicava novas fábricas para produzir sumos), o executivo seguiu literalmente o percurso das laranjas dos pomares até ao consumidor, falando com as partes interessadas ao longo do caminho, no sentido de compreender cada passo do processo de produção e para identificar onde havia oportunidades de mudança. Ao contrário dos produtos tradicionais da Coca-Cola, que têm uma fórmula/receita, os sumos estão dependentes da natureza em termos de ingredientes, cuja qualidade pode variar de forma acentuada de ano para ano. Ao colocar-se em campo, o responsável aprendeu que para vencer no imprevisível negócio de sumos era necessário ter extrema flexibilidade ao longo das operações e na equipa. 

O executivo, que se descreve como “um crente na diversidade de pensamento e de personalidades”, assumiu como sua tarefa levar várias perspetivas à equipa. As frequentes observações no terreno, combinadas com a criação de uma equipa diversificada, não só melhoraram o processo de criação do Global Juice Center como o ajudaram a fazê-lo de forma mais sustentável.

Manter a curiosidade 
Brian Cornell, depois de ter sido nomeado CEO, também reorganizou o círculo de liderança na Target, promovendo o talento que estava há anos na empresa, e recrutou talento no exterior – que trouxe um profundo conhecimento e experiência de outras empresas. Ao mesmo tempo, visitou as lojas em pessoa. Com o intuito de ter uma perspetiva sobre o negócio a partir de vários ângulos, passou um tempo considerável a conversar com clientes e membros da equipa para ter uma noção do que funcionava e o que não funcionava. E percebeu que a recolha de informação em primeira mão levou à colocação de novas e valiosas perguntas por comparação com a informação já existente espalhada pela sede.

A curiosidade não deve terminar quando encontra uma solução para um problema. Os líderes devem explorar constantemente novas ideias, procurar novas formas de pensar naqueles que o rodeiam, e criar parcerias. Procurar ligações nas ideias – e pessoas ­– traz novas oportunidades.

Explorar esta interligação entre áreas aparentemente não relacionadas desempenha um papel importante na liderança de Guy Wollaert. Arquiteto por formação, está constantemente a tentar descobrir formas de conectar pontos entre o presente e o futuro. E diz que se pode encontrar os mesmos padrões de design em toda parte, enfatizando a necessidade de ser eternamente curioso. “Porque estamos a fazer as coisas desta forma?”. Foi a questão-chave que alimentou a sua curiosidade quando entrou na Coca-Cola Company para conceber as novas fábricas. “Descobri que a pergunta nem sempre era tão básica como eu pensava. Se deseja criar uma boa fábrica, tem de saber o que acontece antes e o que acontece depois”.

Quanto a Brian Cornell, ao avançar com as novas ideias para a Target, visitou uma concept store em Nova Iorque, a Story, que se reinventa a cada oito semanas, e falou com a fundadora, Rachel Shechtman. Sabendo que a Target precisava de recuperar credibilidade em termos de merchandising, o CEO aproveitou a oportunidade para criar uma ligação com produtos de novas marcas. Foi a partir do seu encontro com Rachel Shechtman que nasceu um novo conceito na Target – a coleção Home for the Holidays.

Desafiar o status quo e, quando necessário, começar do zero
Por vezes fazer perguntas incómodas ​​significa tomar decisões difíceis sobre uma estratégia existente ou até abandoná-la por completo. Guy Wollaert valoriza o poder de experimentar, mesmo que signifique começar de novo. “Ao longo da minha carreira percebi que as pessoas tendem a ser muito, muito boas a melhorar continuamente as coisas – o que é importante, mas também sei, por experiência, que se sentem menos confortáveis se pensarem que têm de começar do zero. Uma folha em branco pode ser muito difícil”.

Poderoso e assustador, começar do zero leva a uma quantidade incrível de perguntas, permitindo que os líderes deem um passo atrás e tenham uma perspetiva mais abrangente. Brian Cornell pode ser o CEO do segundo maior retalhista de discount nos EUA (a seguir ao Walmart), mas não perdeu o espírito que faz os empreendedores procurarem a mudança, ao contrário de esperarem para se adaptar à mudança. Em vez de manter as coisas como estão, Brian Cornell assumiu os riscos certos, calculados. E tem vindo a testar novas lojas de formato flexível, proporcionando aos clientes espaços customizados tendo em conta as necessidades do bairro circundante – uma vez abertos, ele e a sua equipa tencionam ouvir, aprender e interagir.

Ou seja, líderes como Brian Cornell e Guy Wollaert questionam tudo, rodeiam-se de equipas diversificadas e capitalizam oportunidades para ouvir e experimentar novas ideias. Dão tempo a si mesmos para que surjam pensamentos divergentes e perguntas que levam a decisões de negócios mais inteligentes.


31-01-2019

Fonte: HBR


Portal da Liderança


HalGregersenHal Gregersen é diretor executivo no Leadership Center do MIT, e professor de liderança e inovação na MIT Sloan School of Management. Considerado um dos Thinkers50 em gestão, é coautor do livro “The Innovator’s DNA: Mastering the Five Skills of Disruptive Innovators”.