Luís Portela: "Tem de haver um projeto que faça sentido e condições atraentes"

Luís Portela: "Tem de haver um projeto que faça sentido e condições atraentes"
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O Portal da Liderança esteve em BIAL, que comemora 90 anos de existência, com o seu Chairman, Luís Portela. "Estamos a licenciar e a exportar tecnologia própria", partilha, sendo que "Queremos continuar a desenvolver medicamentos inovadores e reforçar a nossa presença a nível internacional."

Enquanto líder procurei sempre conquistar a minha equipa para um grande envolvimento, que talvez tenha sido o grande fator diferenciador.

Portal da Liderança (PL): Colocou no mercado o primeiro medicamento de raiz portuguesa, o antiepilético Zebinix. Como implementou este novo produto no mercado? 

Luís Portela (LP): Este foi um projeto que nasceu há 20 anos quando criámos em BIAL um pequeno departamento de Investigação e Desenvolvimento com o objetivo de poder descobrir novos medicamentos. Tal como via acontecer em outras empresas farmacêuticas internacionais, algumas de média dimensão e de diversos países, achava que também em BIAL poderíamos conseguir descobrir novos medicamentos. 
Começou por ser um sonho meu, e de algumas pessoas que na altura consegui conquistar para o nosso pequeno departamento de I&D, que foi crescendo e que se alargou a toda a equipa até se tornar realidade, em 2009, quando o antiepilético Zebinix chegou ao mercado. 

Olhando para trás, e resumindo o nosso percurso, a nossa equipa de I&D sintetizou a molécula em 1994, sucedeu-se o registo da patente e, posteriormente, um vasto programa de ensaios clínicos que envolveu mais de 1500 doentes em 23 países. Seguiu-se o registo e a aprovação pelas autoridades regulamentares, nomeadamente pela Agência Europeia do Medicamento. Hoje, o Zebinix está já comercializado em 17 países europeus, perspetivando-se a entrada em novos mercados nos próximos tempos. Em alguns países, como é o caso de Portugal, este medicamento é comercializado por BIAL em exclusividade. Noutros países estabelecemos parcerias de licenciamento.
Estamos a falar de um trabalho pioneiro em Portugal, de um investimento de mais de 300 milhões de euros e de uma enorme dedicação de muitas pessoas.

O Zebinix representa um marco para BIAL e para a indústria farmacêutica portuguesa e é um exemplo claro dum projeto de longo prazo e de trabalho de equipa.

É com enorme satisfação e orgulho que tenho conhecimento da excelente experiência clinica com Zebinix, tanto de médicos, como de doentes que sofrem de epilepsia, e que constato que BIAL está a concretizar a sua missão, está a proporcionar qualidade de vida.

PL: Iniciou nos anos 90 um processo de internacionalização que fez com que hoje os medicamentos de BIAL sejam vendidos em cerca de cinquenta países. Como estruturou esse processo? 

LP: Quando definimos a investigação de novos medicamentos como área estratégica para BIAL tínhamos noção que não poderíamos ter apenas o mercado português no horizonte. Não é viável pensar em I&D na indústria farmacêutica pensando no mercado nacional; o medicamento só é rentável se o conseguirmos comercializar numa escala maior. A internacionalização teve como base a necessidade de ganhar escala para que, por um lado, pudéssemos viabilizar os projetos de I&D e, por outro lado, pudéssemos rentabilizar esses mesmos projetos. 
Começámos a desenhar a nossa estratégia de internacionalização em países pequenos, nomeadamente na América Latina e em África, primeiro África Portuguesa e depois a África Francófona.

O reforço da internacionalização deu-se no final dos anos 90 com a compra da nossa atual filial em Espanha, onde trabalham, presentemente, 280 pessoas. Temos em Espanha uma fábrica e um centro de I&D dos mais avançados na Europa, onde centralizamos a produção e a investigação ao nível da imunoterapia alérgica. Estamos aí a criar condições para que BIAL seja um importante player no desenvolvimento e comercialização de vacinas e meios de diagnóstico para o tratamento de alergias. 
Posteriormente, a aposta na internacionalização teve continuidade com a criação de empresas comerciais em Moçambique, Angola, Costa do Marfim, Panamá, Suíça e Itália.
Como já estamos a licenciar e a exportar tecnologia própria, por via dos produtos da nossa própria investigação, caso do Zebinix que falámos anteriormente, temos condições para assumir uma dimensão diferente no contexto internacional. Já estamos no chamado primeiro mundo, pois o Zebinix é comercializado através de um parceiro comercial em grandes mercados europeus, como é o caso da Alemanha, França e Reino Unido. Queremos continuar a desenvolver medicamentos inovadores e reforçar assim a nossa presença a nível internacional, nomeadamente na Europa.

PL: Com base na sua vasta experiência, que conselhos dá aos líderes que desejam iniciar processos de internacionalização? 

Constituir uma equipa que conheça bem a realidade local e que se integre bem com ela.

PL: Depois de 32 anos na direção de BIAL, durante os quais esta se afirmou como o principal grupo farmacêutico português e um dos mais importantes a nível ibérico, enquanto líder, o que lhe permitiu atingir estes resultados? 

LP: Sempre encarei o meu trabalho com grande sentido de responsabilidade, profissionalismo e enorme dedicação. Também sempre encarei o meu trabalho com gosto, com paixão. Paixão no dia-a-dia, na resolução de problemas, na concretização de objetivos, na superação de desafios.

Enquanto líder procurei sempre conquistar a minha equipa para um grande envolvimento, que talvez tenha sido o grande fator diferenciador, a chave para que BIAL tenha conseguido os resultados que refere.

PL: Criou um departamento de investigação e desenvolvimento onde trabalham hoje cerca de 120 pessoas de nove países diferentes. Como se gere uma equipa em ambiente intercultural? 

LP: Temos atualmente na área de I&D 120 colaboradores, 32 dos quais doutorados, de 9 nacionalidades diferentes. Comercializamos também os nossos produtos em vários países pelo que temos também colaboradores em Moçambique, em Itália, na Costa do Marfim e em muitos outros países. Existindo um projeto aliciante, desafiador e em que as pessoas acreditem, como penso é o caso do projeto BIAL, a nacionalidade não é uma barreira. 

Embora tenhamos definida uma política corporate, comum a todas as empresas do grupo, naturalmente há hábitos e culturas diferentes entre países ou nacionalidades. Talvez a primeira regra para gerir uma equipa internacional seja o respeito pelas diferenças.

PL: Como atrai e retém os talentos?

Tem de haver um projeto que faça sentido e condições de trabalho que sejam atraentes.

PL: Sendo BIAL liderada já pela 4ª geração, que conselhos dá aos líderes de empresas de gestão familiar para serem bem-sucedidos e empresarialmente eficazes? 

Procuramos organizarmo-nos como se fossemos uma empresa internacional.

PL: Para si, o que é o fundamental da liderança? 

LP: A capacidade de motivar, de envolver as pessoas que lideramos num projeto, num objetivo comum pode fazer toda a diferença.

PL: Qual foi a situação que o fez aprender mais em termos de liderança e o que aprendeu? 

LP: Quando a Comissão de Trabalhadores, por volta de 1980, declarou interromper a sua atividade por confiar na administração por mim liderada e entendeu que dessa forma servia melhor os interesses da empresa e os seus. Aprendi que com a minha dedicação tinha conquistado as pessoas e percebi que não as podia desiludir.

PL: Quais são os três principais desafios que confrontarão os líderes empresariais nos próximos 10 anos? 

LP: Os principais desafios dos líderes empresariais passam pela incerteza dos tempos que vivemos, pelas alterações dos hábitos de consumo e pela mudança de paradigma do mundo financeiro.

PL: Quais são as três qualidades mais importantes para um líder empresarial nos próximos 10 anos? 

LP: A capacidade de fazer acontecer em equipa, a resiliência e a capacidade de intuir o desenvolvimento futuro.

PL: Onde mais tendem a falhar os líderes empresariais? 

LP: Na sociedade do imediatismo em que vivemos, do agora, do instantâneo, talvez a capacidade de perspetivar o futuro.

PL: Um dia o que é que o mundo vai dizer de si? 

LP: Mais do que falar de mim espero que um dia, daqui a muitos, muitos anos, as pessoas continuem a falar e a ver em BIAL uma empresa que contribui para a Saúde das pessoas em todo o mundo.

PL: Celebram-se 90 anos de BIAL dia 19 de abril. Quais as recordações, as conquistas e os desafios para o futuro?

É com muito trabalho, muita dedicação e muita paixão que se fazem acontecer coisas bonitas.

 


Luis Portela1Luís Portela nascido em 1951 no Porto, é licenciado em Medicina pela Universidade do Porto, tendo feito algumas ações de formação em Gestão. Exerceu atividade clínica no Hospital de S. João apenas durante três anos e foi docente da Universidade do Porto durante seis anos, onde lecionou a cadeira de Psicofisiologia. Desligou-se da carreira médica e universitária para se dedicar à gestão de empresas. A sua atividade empresarial foi iniciada com vinte e um anos e aos vinte e sete assumiu a presidência dos Laboratórios Bial, cargo que tem exercido até à atualidade. Também é Presidente do Health Cluster Portugal, Presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto e administrador da COTEC. Sob a sua presidência, em cerca de trinta anos, Bial tornou-se a primeira empresa farmacêutica internacional de inovação de origem portuguesa, operando atualmente em mais de 40 países. No Grupo Bial criou e desenvolveu dois Centros de Investigação, um na Trofa e outro em Bilbau, onde trabalham atualmente 111 pessoas, das quais vinte e sete são doutoradas. No centro da Trofa foi criado o primeiro medicamento de investigação portuguesa a ser lançado, em 2009, no mercado global. Aos quarenta anos foi condecorado pelo Presidente da República como Comendador da Ordem do Mérito e aos cinquenta com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito. Foi distinguido como Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina de Cádis, Espanha, e pela Universidade do Porto, Portugal. Em 1998 foi distinguido com o Prémio de Neurociências da Louisiana State University, nos E.U.A. Em 2008 foi distinguido como “Empresário do Ano” pelo Rotary International. Em 2009 foi eleito Académico Correspondente pela Academia Portuguesa de Medicina e “Personalidade do Ano” pelo Jornal de Negócios.