A arrogância mata os líderes – Camilo Lourenço

A arrogância mata os líderes – Camilo Lourenço
Ao longo da nossa vida profissional somos confrontados com todo o tipo de líderes. Os que pensam que são (líderes) mas não são; os que são visionários e delegam a execução nas segundas linhas; os que são mais distantes; os que exercem a sua influência “by walking around”, os extrovertidos e os tímidos, os humildes e os arrogantes… 
 

Camilo Lourenço 

A lista poderia continuar. Mas hoje gostava de focar a atenção nestes dois últimos grupos: os arrogantes. A arrogância é um dos “pecados” mais comuns na liderança. E é difícil explicar por que acontece: por ser algo intrínseco da personalidade de quem dirige uma organização? Ou por ser o resultado da experiência adquirida no caminho para o topo (estilo “eu já passei por isso”)? 

Todos nós, em algum momento, já conhecemos estas duas situações. Para quem está no primeiro grupo, costumo dizer que há uma boa solução: fazer terapia (às vezes contratar um simples coach já ajuda); porque são comportamentos que têm a ver com a formação da personalidade, muitas vezes associados a problemas em idade mais tenra. Para os que estão no segundo grupo, a aprendizagem é mais fácil. Porque não é um problema estrutural. Tem a ver com o sucesso na progressão na carreira: um trajeto de sucesso, por vezes, funciona como um shot de confiança que, levado ao extremo, resulta em arrogância. 

Nas muitas empresas onde já dei formação, ou onde já fiz palestras, encontrei muitos casos destes (arrogantes e humildes). Recordo-me que num desses casos, o CEO queixava-se de que ninguém o ouvia. Mesmo entre as segundas linhas, por si contratadas, dizia ele, era difícil passar a mensagem. 

Não demorei muito a saber porquê. A sua ascensão tinha sido meteórica. Como se tinha revelado um “problem solver” na área mais crítica da empresa, os acionistas premiaram-no com a subida a CEO. Esqueceram-se de um pequeno pormenor: o sucesso acontecera numa área essencialmente técnica, onde o trabalho em equipa e a colaboração entre departamentos não era o ponto forte. 

Depois de uma breve conversa com dois dos seus diretores, percebi melhor o problema: ele achava que sabia tudo. E limitava fortemente a criatividade de quem trabalhava consigo. “Até dizia à secretária que tipo de clips devia comprar”, confidenciou um deles. E acrescentou: “uma vez disse-me que se fizesse como ele, era sucesso garantido”.

Depois da palestra sentei-me com o CEO e perguntei se sabia a razão pela qual “ninguém o ouvia”. Desconfiado, respondeu: “não gostam que lhes diga o que têm de fazer”.

Fantástico: ele até sabia a razão pela qual não era amado pelos seus quadros. E quando lhe ia dar um conselho, parei. Para lhe ler o excerto de uma declaração de Gregory Mankiw, professor de Economia em Harvard, e um dos pensadores que sigo com mais atenção. Um dia um aluno perguntou-lhe se para ser um bom economista era preciso ser uma “barra” em Matemática. A resposta foi elucidativa: “muitos dos meus alunos em Harvard são melhores em Matemática do que eu. Nos últimos anos, alguns desses alunos têm coautorado, comigo, alguns trabalhos científicos. A vantagem que tenho sobre eles não é a Matemática. É a experiência, as minhas writing skills e a capacidade para levantar questões interessantes”. E concluiu: “uma das melhores coisas em ser professor é que nos podemos especializar naquilo que fazemos melhor. Escolhendo colaboradores para trabalhar connosco nas áreas onde não somos tão bons. Por outras palavras, ser professor é muito mais fácil do que ser estudante”. 

Terminei a perguntar-lhe se a situação não se aplicaria à sua empresa. Pois se um dos melhores economistas do mundo reconhecia que não era bom a tudo, e que por isso confiava noutras pessoas para complementar o seu trabalho, ele poderia fazer o mesmo…

Ficou a olhar para mim com um misto de surpresa (por nunca ter pensado nisso, confessou mais tarde…) e de incómodo (por estar a questionar o seu modelo de gestão). Pedi desculpa pela ousadia e rematei dizendo: “você é tecnicamente bom, mas os seus quadros não veem isso: veem apenas arrogância… onde deviam ver liderança”. 

Saí da empresa a pensar que tinha arranjado um inimigo para a vida. Há duas semanas percebi que me tinha enganado: convidou-me para voltar a dar formação aos quadros.

03-11-2015


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal.