As raízes importam

As raízes importam
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Precisamos de perceber que devemos respirar quem somos para saber que qualidade de líderes podemos ser. Somente com raízes fortes podemos permanecer firmes em tempos de desafios.

Lúcia Soares

Cercados em Silicon Valley, nos EUA, por um mosaico de culturas e tradições em que nos esforçamos por minimizar as diferenças e onde muitas vezes os nossos filhos perdem a sua identidade cultural, penso que é razoável perguntar, como imigrantes e filhos de imigrantes: é importante preservar uma identidade cultural e será que isso tem impacto na liderança?

Sim e sim. “Um povo sem o conhecimento da sua história passada, origem e cultura é como uma árvore sem raízes,” segundo Marcus Garvey (1887-1940, de origem jamaicana, considerado um dos maiores ativistas do movimento nacionalista negro nos EUA).

O que me fez pensar sobre este tema de forma mais aprofundada foi uma ida recente aos Açores. Os meus pais e o meu marido nasceram lá, e foi onde passámos as últimas férias de verão. Não ia aos Açores há seis anos, e, após alguns dias de estadia, escrevi o que se segue no Facebook:

“Já li e ouvi dizer dos próprios açorianos – como a ilha  chama por eles. Quando regressam, o som do mar liga-se aos seus sentidos, a terra vulcânica acende as suas saudades, as tradições do Espírito Santo despertam as suas almas. É difícil entender estas emoções, mas durante a minha visita aos Açores ouvi o eco desta saudade na minha alma. Os sons familiares do português com pronúncia açoriana, tão poético, e os olhos que encontrei, fizeram-me lembrar o olhar da minha família e dos seus antepassados. Fui, mais uma vez, lembrada do calor, da hospitalidade, do carinho pelos mais necessitados, e do orgulho teimoso mas humilde destas pequenas ilhas – grandes em coração, enormes em alma, grandiosas em estatura. Ser lembrada das nossas raízes é o que alimenta os sonhos e aquece a alma. É como a ligação da mãe com o filho. Numa ilha, desligados do ruído e perto da natureza, o eterno fica claro. Sinto-me grata e e renovada por este momento. Obrigada Irmãos Açorianos. Que Deus sempre vos abençoe”.

Nos meus 40 e poucos anos de idade, estava segura na minha identidade, mas esta visita reforçou o valor e a sabedoria das minhas raízes, os valores fundamentais que me formaram. Pouco tempo depois de ter regressado das férias, foi lançado o novo álbum de Mariza, “Mundo”. Durante as viagens diárias para o escritório e para casa ouvi cada canção com a atenção que a música de Mariza merece. Houve vários momentos em que o meu coração parou devido à sua mensagem. A música fez-me lembrar a beleza da língua dos meus pais (e a minha), e as palavras poéticas revelam aspetos das nossas identidades, das nossas raízes e especialmente das nossas possibilidades. Na canção “Saudade Solta” ela canta:

E o vento que nos vergar
Não nos vai quebrar raízes
E cantando eu sei que fica
A saudade bem aqui
E a esperança que nos dá vida
Em mim não terá o fim

Apercebi-me que quando o vento sopra, se não conhecermos as nossas raízes – o humilde mas corajoso país da nossa origem, os sacrifícios que os nossos pais fizeram por nós, os desafios que os nossos antepassados ​​superaram – o vento vai acabar por nos derrubar. Precisamos de perceber, devemos compreender, devemos respirar quem somos para saber que qualidade de líderes podemos ser. Somente com raízes fortes podemos permanecer firmes em tempos de desafios.

11-10-2016

 

LuciaSoaresLúcia Soares, vice-presidente de healthcare technology strategy na Johnson & Johnson (J&J) nos EUA, é responsável pela coordenação e priorização dos esforços de inovação em tecnologia de saúde na companhia, fazendo a ligação com os objetivos críticos de negócio que aceleram o crescimento. Nos últimos 13 anos a luso-americana ocupou cargos de crescente responsabilidade na área de TI da J&J, com a criação de estratégias de sistemas de tecnologia, priorizando os portefólios de iniciativas de sistemas e fornecendo soluções. Antes esteve na empresa de consultoria em marketing interativo SBI, onde chefiou as áreas de project management office e de experiência do utilizador. 
Filha de imigrantes açorianos, casada e mãe de duas meninas, vive em San Jose, na Califórnia, EUA. Inspirada pela literatura, línguas, e a comunidade, tem um mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de San Jose, um mestrado em Literatura pela Universidade da Califórnia, e é bacharel em Línguas Estrangeiras pela Universidade Estadual de San Jose.