O que Silicon Valley me ensinou – no 2.º dia

O que Silicon Valley me ensinou – no 2.º dia
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Em julho tive a oportunidade de participar numa viagem de uma semana com foco em liderança, inovação e networking a São Francisco e Silicon Valley: o GSI (Global Strategic Innovation: International Executive Program). Neste artigo partilho a minha experiência no segundo dia, em que visitámos o Facebook, a Universidade de Stanford e o Plug and Play.

Gabriel Giehl Martins

O nosso dia começou muito cedo, dado que tivemos de viajar de São Francisco para Mountain View e Palo Alto (com muito trânsito: demorámos quase 2 horas a chegar ao campus do Facebook).

Visitámos apenas um dos muitos escritórios do Facebook e foi o suficiente para confirmar o que se diz sobre a empresa – definitivamente criaram algo diferente. Parece uma aldeia: tem desde lojas de bicicletas a dezenas de cafés, restaurantes e mercearias; desde jardins de infância e ginásios a uma carpintaria onde se pode passar algum tempo criativo. Para ter uma ideia, são servidas 25 mil refeições gratuitas por dia apenas neste “escritório”! Sim: quase tudo é de graça! E têm uma enorme frota de autocarros que, ao longo do dia, traz e leva os funcionários de lugares tão afastados como a 90 quilómetros de distância (com Wi-Fi, claro, para que possam trabalhar no caminho). Poderia escrever um artigo inteiro só sobre o que é proporcionado como “benefícios” aos funcionários. Tudo para tentar motivá-los, fomentar a inovação e, claro, mantê-los por um período maior (em média, os trabalhadores ficam neste tipo de empresa menos de três anos antes de passar para outro desafio). Já mencionei as dificuldades de recrutamento na Bay Area no artigo sobre o primeiro dia, em que as empresas estão a criar estratégias diferentes para manter os melhores.

Com as expectativas já nos píncaros, chegámos à Universidade de Stanford para ouvir e almoçar com o professor e investigador Burton Lee. O objetivo era falar sobre as principais características das tendências de Silicon Valley e da tecnologia global, além de fazer algumas comparações com o ambiente e cultura europeus. Com um debate inteligente, os quatro principais tópicos do professor foram escala; velocidade; competição pelo talento; cultura corporativa, organização, liderança e estratégia. Darei o meu melhor para partilhar as suas principais ideias sobre cada um deles (tenha em mente que as ideias que se seguem são da autoria do professor Burton Lee e que, caso deseje partilhá-las, é importante mencionar a fonte).

Escala. O investigador referiu como as tecnologias emergentes – big data, inteligência artificial (IA), blockchain, internet of things (IoT) – estão não só a criar novos mercados, como também a permitir que as empresas atinjam uma velocidade de escala que não era possível antes. E fez uma comparação muito interessante entre empresas focadas nos ativos e aquelas que estão centradas na tecnologia em termos de avaliação de mercado (que, como sabemos, atualmente tem mais a ver com escalabilidade do que com o próprio valor per se). Comparemos, por exemplo, a alemã BMW e a americana Google. Qual é o principal caminho para a BMW crescer? – Vender mais carros. Mas, para vender mais carros precisa de investir antecipadamente e pesadamente em fábricas que valem biliões. Agora, qual é a principal maneira de a Google crescer? – Basta contratar mais engenheiros de software! Isto de forma simplificada, mas percebe a ideia. Já que falo em carros e tecnologia, termino este tópico com uma grande previsão do professor Burton Lee. Ele diz que, no futuro próximo, o software nos carros vai valer mais que os carros em si! Concorda?

Rapidez. A escalabilidade leva naturalmente à velocidade. Ou vice-versa. Demorou cerca de 75 anos para o telefone ligar 50 milhões de pessoas em todo o mundo (ver imagem em baixo, Source Link). Mais recentemente, uma aplicação simples como “Angry Birds” pode atingir esse mesmo marco numa questão de dias! Nos últimos dez anos, a taxa de adoção de novas tecnologias acelerou a uma velocidade vertiginosa. Como podemos então acompanhar tudo? É um grande desafio!

Reaching50millionusers

Competição pelo talento. É a terceira vez que surge este tópico. E não é coincidência. De acordo com a Business Insider, “a Oracle ofereceu a um único candidato com elevado background em IA um pacote salarial de 6 milhões de dólares, composto por incentivos em termos de remuneração e de equity para o convencer a entrar na empresa”. E a publicação prossegue: “Em outubro, o New York Times avançou que o salário típico de um profissional de IA com um doutoramento ronda os 300 mil a 500 mil dólares em remuneração e equity, mas que algumas pessoas conhecidas nesta área chegam aos dois dígitos de milhões”.

Há uma questão que não me sai da cabeça: Alguém, na qualidade de CEO, de fundador ou até mesmo de diretor, está disposto a assinar um cheque maior para alguém que está abaixo de si na estrutura organizacional? Se não, tem definitivamente de mudar a forma como pensa.

Cultura corporativa, organização, liderança e estratégia. Só este tópico é um doutoramento em si. Burton Lee dedicou algum tempo a comparar diferentes tipos de estrutura organizacional e como este assunto pode influenciar a cultura e o resultado de uma empresa. Debatemos, por exemplo, como a Microsoft conseguiu mudar de uma cultura interdepartamental competitiva para uma mais flat e colaborativa.

O investigador também nos mostrou um estudo da Google após esta ter passado anos a analisar equipas eficazes internas, tendo concluído que há cinco características em comum nas mais bem-sucedidas:
1.ª Segurança psicológica. Os membros da equipa sentem-se seguros a assumir riscos e em ficar vulneráveis à frente dos restantes colegas.
2.ª Confiabilidade. Os membros da equipa realizam as tarefas no prazo estipulado e cumprem os elevados requisitos de excelência da Google.
3.ª Estrutura e clareza. Os membros da equipa têm funções, planos e objetivos claros.
4.ª Significado. O trabalho é pessoalmente importante para os membros da equipa.
5.ª Impacto. Os membros da equipa consideram que o seu trabalho é importante e cria mudanças.

Outra conclusão neste tipo de estudo da Google é a identificação de algumas das principais qualidades dos membros da equipa:
“O que importa não é tanto quem está na equipa, mas sim a forma como a equipa trabalha em conjunto”.
O que importava mais: confiar/ouvir primeiro/mostrar empatia/ser autêntico/dar o exemplo/ser útil/discordar e comprometer/ser humilde/ser transparente/elogiar sincera e especificamente. Em relação a este tópico, Burton Lee recomenda o livro “Team of Teams”.

No final, depois de quase duas horas de um debate muito interessante, ele afirmou em jeito de conclusão que “rapidez na inovação & tomada de decisão + competição pelo talento e mercados moldam a cultura e a estrutura corporativa”.

Esta sessão só veio reforçar o que Peter Drucker disse: “A cultura come a estratégia ao pequeno-almoço”. Esta é uma batalha pessoal que tive de travar nos meus dez anos de experiência profissional. Na maioria das vezes, vemos os executivos de topo a tentar impor o que consideram a melhor estratégia ou cultura para a empresa, com belos slides e iniciativas de marketing, depois de terem gastado milhões de dólares com uma das grandes empresas de consultoria. O mesmo se passa em relação à cultura de inovação. Quase todas as empresas querem ter inovação no ADN, mas a maioria faz afirmações erróneas com as soluções em mente (ex.: implementar uma aplicação, usar a IoT, etc.) em vez de se concentrarem em criar uma cultura capacitadora para promover a inovação. Mas esta é uma discussão para outro artigo. Como Burton Lee também afirmou: “a cultura da empresa é o núcleo da plataforma de inovação”.

Para completar este dia já de si incrível, visitámos o Plug and Play. A nossa anfitriã foi Jackie Hernandez, vice-presidente sénior de operações e de customer engagement. Além de ser carismática, a executiva trabalha para o grupo há 12 anos e viu todo o percurso a ser construído pelo fundador e CEO, Saeed Amidi. O Plug and Play foi o berço de alguns unicórnios famosos, como a Google e a PayPal. Trata-se de uma plataforma de inovação que junta as start-ups com as maiores companhias do mundo. Se está numa start-up em estágio inicial, deve definitivamente inscrever-se para fazer parte (disclaimer: não exige equity como requisito na participação!). O Plug and Play investe em mais de 250 start-ups por ano e está ligado a 300 dos melhores venture capitalists do mundo.

Durante a visita tivemos também a oportunidade de interagir com Gideon Marks, o muito experiente mentor de start-ups do Plug and Play. Ele partilhou connosco o que pensa e as lições que aprendeu com o financiamento de start-ups. Considerei interessante o seu conselho para nunca reportarmos esforços, mas reportar sempre progresso! Não importa o quanto trabalhou ou que sacrifícios fez, os resultados e progresso vão separar o sucesso do fracasso e os amadores dos profissionais.

“Adquirimos conhecimento ao ouvir, então desenvolva grandes orelhas como um elefante. Mas fique longe dos faladores, que têm uma boca grande como um hipopótamo.”

A minha conclusão aqui baseia-se em números. O Plug and Play, por exemplo, avalia mais de 10 mil start-ups todos os anos, e depois seleciona 250 para investir em ou acelerar e espera-se que apenas uma se torne num unicórnio! Não precisa de ser um unicórnio para ter sucesso no ambiente de start-ups, mas se tem este objetivo, mantenha estes números em mente, no entanto nunca oriente as suas decisões ou desista por causa destas probabilidades. Nem todos vão conseguir, mas qualquer um pode ter sucesso!

E é isto para o segundo dia. Mas antes de chegar ao hotel em São Francisco tivemos de enfrentar de novo o terrível trânsito de duas horas!

21-09-2018


Portal da Liderança


Gabriel Martins Small

Gabriel Giehl Martins foi senior manager na brasileira Rede D’Or São Luiz (a maior empresa de gestão hospitalar da América Latina). Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro, Brasil), tem mais de dez anos de experiência em projectos de estratégia e gestão com atuação em segmentos como o da saúde, logística, educação, serviços, tecnologia ou oil & gas.

Eleito Best Student Leader em 2017 após ter concluído o MBA pelo The Lisbon MBA (Universidade Nova e Universidade Católica em Lisboa, e MIT Sloan nos EUA), encontra-se na fase final da sua tese de mestrado em Business (também pelo The Lisbon MBA).

Apaixonado por conhecer novas culturas através de viagens, da culinária e da leitura, também se diverte a assistir ou a jogar um bom futebol.