Storytelling. Porque devemos contar mais histórias na era do ruído?

Storytelling. Porque devemos contar mais histórias na era do ruído?
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As histórias ensinam, emocionam, inspiram e impelem para a ação. E são as histórias que nos podem ajudar a redefinir o presente e o futuro das organizações, quando o excesso de estímulos e de informação tende, de forma paradoxal, a alienar-nos do que nos rodeia.

Carla Rocha

Estou na rádio há quase 30 anos. Comecei no Algarve em rádios locais e, assim que experimentei, percebi que era o que queria fazer. E percebi também que, de todas as rádios que ouvia na altura, havia uma que era especial: a RFM. O que mais desejava era aprender com aqueles animadores que falavam de forma tão próxima que pareciam meus amigos, e um dia decidi enviar-lhes o meu currículo (CV) – por correio, à boa maneira dos anos 1990. Mandei CV durante dois anos. A cada dois ou três meses enviava um atualizado, sempre à espera de resposta. Estava quase a desistir até que finalmente chegou uma carta. Dizia: “Lamentamos informar, mas de momento não dispomos de qualquer vaga que se enquadre no seu perfil.”. Nos dias seguintes li a carta dezenas de vezes e cheguei a uma conclusão: não eram eles que não tinham vaga, eu é que não tinha conseguido chamar a atenção. A minha abordagem é que não estava a funcionar.

Enquanto pensava como poderia ser mais criativa, a RFM lançou um passatempo. O vencedor ganhava uma viagem a Haia para ver um concerto de Céline Dion. O que era preciso fazer? – Uma gravação a simular uma reportagem do concerto. E foi isso que fiz: gravei a voz na casa de banho, juntei efeitos especiais a imitar o som de um estádio, pus uma amiga a fazer de Céline Dion, entrevistei a falsa cantora. E ganhei o concurso. Mas isso não foi o melhor. O melhor foi poder viajar durante três dias com pessoas da RFM que, quando regressaram de Haia, contaram a minha história ao diretor de programas e ele quis falar comigo. E foi assim que cheguei à RFM.

Esta é uma história pessoal que já tive oportunidade de partilhar em contexto de formação para transmitir esta ideia: todas as palavras têm impacto. Tudo o que nos dizem tem impacto em nós. E o contrário também é válido: tudo o que dizemos gera um efeito, mesmo quando não temos noção disso. A história de como comecei a trabalhar na RFM ajuda-me a sublinhar esta mensagem.

Se chegou até aqui na leitura deste artigo, é porque está a funcionar bem uma das principais funções do storytelling – captar e manter a atenção, quando queremos transmitir uma mensagem de forma clara. E sabemos como isso hoje pode ser difícil. Estamos na era do ruído, onde a corrente de estímulos e de informação à nossa volta diminui significativamente a nossa capacidade de foco e concentração. Estudos recentes mostram que os trabalhadores são distraídos quase de 3 em 3 minutos com o toque do telemóvel, uma mensagem ou um email a chegar. A cada distração são precisos cerca de 23 minutos para o trabalhador se voltar a concentrar na tarefa que tinha em mãos. Numa apresentação ou durante uma conversa informal ainda podemos acrescentar a lista mental de afazeres que teimosamente aparece na nossa mente e nos desliga do que estamos a ouvir; deixa-nos desconectados da mensagem e da pessoa que a está a transmitir.

O storytelling é uma das ferramentas de comunicação que mais me apaixona e que começa a conquistar credibilidade no mundo empresarial. Histórias – contadas de forma estratégica numa apresentação ou numa conversa informal – não são mero entretenimento, nem exercícios egocêntricos. São – a investigação científica aponta neste sentido – uma das formas mais eficazes de transmitir uma mensagem clara e de reforçar a ligação entre as pessoas, e entre as pessoas e a empresa. As histórias ensinam, emocionam, inspiram e impelem para a ação. E são as histórias que nos podem ajudar a redefinir o presente e o futuro das organizações, quando o excesso de estímulos e de informação tende, paradoxalmente, a alienar-nos do que nos rodeia.

O storytelling tem a capacidade de contrariar a quase inevitabilidade da era do ruído. As investigações no campo das neurociências ajudam-nos a perceber porquê. Quando ouvimos uma história, há dois fenómenos que acontecem e que têm impacto no nosso cérebro. Desde logo a libertação de cortisol, a hormona do stress, que nos deixa em alerta e, por isso, faz com que a nossa atenção seja redobrada. Depois a ocitocina, a hormona que nos dá aquele sentimento de “isto é comigo, isto é para mim” e nos faz querer agir, que nos impele à ação. Isto quer dizer que uma história – ao contrário do que acontece com o debitar de informação factual – aumenta o foco e a conexão. Talvez ao ler a história de como cheguei à rádio se tenha lembrado do primeiro CV que enviou ou da primeira empresa em que trabalhou. Ou do momento em que alguém o motivou para continuar ou, pelo contrário, o fez tomar novos caminhos.
Através de uma história relacionamo-nos com a mensagem que estamos a ouvir e com a pessoa que a está a transmitir. Sentimo-nos ligados e percebemos melhor o que está em causa. Envolvemo-nos. E isso dá-nos sentimento de pertença – a uma equipa, um projeto, uma empresa. Enquanto líder, consegue reforçar esse sentimento se a mensagem que quer transmitir – a sua essência – se destacar no meio do ruído.

Confesso: sou apaixonada por esta ferramenta de comunicação que é o storytelling. E é com entusiamo que tenho vindo a perceber que o mundo empresarial – que durante anos esteve assente no objetivo, no lógico e no racional – está à procura de novas narrativas. Que está a deixar de lado a crença de que as histórias servem apenas para entreter ou que “são só para o umbigo”. E que temas críticos para uma organização podem ser abordados por meio de histórias, sem perder a credibilidade.

Contar histórias de forma estratégica numa apresentação ou numa conversa informal não é, no entanto, um exercício imediato. Consegue-se com treino. A minha sugestão é: comece a olhar para o seu dia a dia, pessoal ou profissional, com outros olhos. Ligue o radar. Tudo o que acontece na nossa vida é material que pode ser transformado numa história que tem impacto na vida de uma pessoa, de uma equipa e, em última instância, de toda a organização. O desafio é trabalhar essas histórias de modo a acrescentarem valor num determinado momento, pela lição ou ensinamento que veiculam. Este é um ponto fundamental – tem de haver uma aprendizagem associada à mensagem que quer passar. Na história que partilhei consigo, a carta de rejeição que recebi acabou por ser fundamental para continuar – mas com outra abordagem, percebi que tinha de ser mais criativa do que estava a ser.

Contar histórias exige coragem. Se forem histórias de erros, lutas ou lacunas pode sentir-se vulnerável. Mas vale a pena arriscar. Quando comecei a explorar o storytelling conheci Doug Stevenson, um especialista na área. O Doug costumava dizer que contar histórias é como fazer bungee jumping. Não ficamos “quase” a saltar. Saltamos. São 5 segundos de coragem para saltar e sentir a adrenalina, enquanto estamos no ar – mas com a certeza de que, no final, vamos estar com os pés bem assentes na terra.

24-02-2023

Portal da Liderança


CarlaRocha

Carla Rocha é apresentadora na Renascença e consultora na área de comunicação. Na sua experiência de quase 30 anos de rádio esteve à frente de programas líderes de audiência em Portugal como “As 3 da Manhã” na Renascença, o “Café da Manhã” ou o talk show “Rocha no Ar” na RFM. Enquanto consultora em comunicação tem vindo a colaborar com empresas portuguesas e internacionais, nas quais implementa programas de formação. Fundou a empresa Carla Rocha Comunicação, a Academia Fale Menos, Comunique Mais e a Academia Fale Menos, Influencie Mais, com o objetivo de partilhar técnicas e estratégias de comunicação mais eficaz, influente e autêntica.
Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa; pós-graduada em Gestão de Marketing, Comunicação e Multimédia pelo Instituto Superior de Economia e pós-graduada em Gestão Aplicada para Gestores de PME pela Nova School of Business and Economics (Nova SBE), completou os cursos Leadership Principles (2021), Management Essentials (2021) e Negotiation Mastery (2022) na Harvard Business School Online, tendo obtido o Certificate of Specialization in Leadership and Management. Concluiu o curso Liderança no Futuro do Trabalho na Nova SBE. É docente na pós-graduação em Gestão do Bem-Estar e da Felicidade Organizacional na Faculdade Egas Moniz e do MBA Organisational Happiness no ISEC Lisboa - Instituto Superior de Educação e Ciências. Colabora com a Universidade Católica Portuguesa nos Programas de Executivos e com a Nova SBE no Mestrado Executivo em Liderança.
Foi curadora e oradora do TEDxULisboa e coordenadora do programa Atletas Speakers (desenvolvido pelo Comité Olímpico de Portugal, treina e orienta atletas olímpicos enquanto oradores). Tem participado em várias convenções e formações intensivas da National Speakers Association, nos EUA, sobre como falar em público.
Autora dos livros “Fale Menos Comunique Mais – 10 Estratégias para se Tornar um Grande Comunicador” e “Fale Menos Influencie Mais - 5 Estratégias para ser Ouvido e Comunicar com Influência”, tem vários artigos sobre comunicação publicados em livros e em revistas das mais variadas áreas temáticas.

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