Liderança? Não olhe para o Banco Espírito Santo (BES) - Camilo Lourenço

Liderança? Não olhe para o Banco Espírito Santo (BES) - Camilo Lourenço

De vez em quando é bom descer do plano teórico à realidade da vida empresarial para perceber melhor os conceitos com que lidamos na Gestão. A liderança não é excepção. Em Portugal temos neste momento dois belíssimos exemplos do que NÃO se deve fazer em matéria de Gestão e Liderança: a Portugal Telecom e o Banco Espírito Santo.

Hoje vamos tratar apenas o BES. Antes de mais, permitam-me que faça um ponto de ordem: este artigo não pretende analisar o que se passou, do ponto de vista dos processos, para o banco estar a precisar de um aumento de capital que pode chegar aos 4 mil milhões de euros (associados às monumentais perdas que apresentou no primeiro semestre de 2014). A ideia é olhar apenas para o BES sob o prisma da Liderança para percebermos que erros não podemos cometer quando dirigimos organizações.

Quem conhece por dentro o Banco Espírito Santo percebeu que quando Ricardo Salgado foi obrigado, pelo Banco de Portugal, a abandonar a gestão, o banco e as empresas do grupo ficaram à deriva. Isto é, desapareceu o vértice da cadeia de comando e os restantes administradores (e alta direcção) não sabiam o que fazer. Porquê? Elementar: Ricardo Salgado controlava tudo e mais alguma coisa. Não havia nada, nomeadamente decisões de peso, que não passasse pela sua aprovação!

Lembra-se do artigo da semana passada (o do líder 8am to 8pm)? Ricardo Salgado entrava no BES às 8h e saía às 22h... Mais: como dizem alguns dos que lhe eram próximos, não raro chamava colaboradores à sua casa, aos fins-de-semana, para "despachar" assuntos correntes do banco.

Um líder não pode deixar de estar por dentro do que se passa numa organização? Claro que não. Mas isso é completamente diferente do que acontecia no Banco Espírito Santo e restantes empresas do grupo. Um Líder não pode organizar a estrutura de Poder da sua empresa de forma que, se subitamente faltar, toda a organização fica paralisada.

"Easier said than done", dirá o leitor. É verdade. A natureza humana leva-nos a acreditar que somos imprescindíveis em tudo aquilo que fazemos. Seja no trabalho, seja na família ou noutro sector da nossa vida. Mas a Gestão tem muito mais de racional do que emotivo. Razão pela qual não podemos perder de vista um princípio fundamental da gestão de pessoas: a nossa qualidade, como Líderes, não é avaliada pelo facto de escolhermos apenas bons executantes; é avaliada pela nossa capacidade de escolhermos pessoas com capacidade para decidir... quando estamos ausentes. Ou seja, um Líder é aquele que prepara uma empresa para funcionar sem ele. A "dispensabilidade" é o seu valor mais importante.

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.