Faltam “reis” que evitem fazer fraca a forte gente portuguesa - Camilo Lourenço

Faltam “reis” que evitem fazer fraca a forte gente portuguesa - Camilo Lourenço

Há um ditado muito popular em Portugal, citado há vários séculos (inclusive nos Lusíadas): “O fraco Rei faz fraca a forte gente”.

Por que fui buscar esta máxima para o artigo de hoje? Porque as últimas semanas têm sido a prova da falta de “reis” que evitem fazer fraca a forte gente portuguesa. 

Vejamos: os portugueses aguentam tudo. Em 34 anos, já passaram por três pré-bancarrotas (nenhum país da União Europeia tem este “track record”). Em todas elas, a receita foi a mesma: redução drástica do rendimento disponível das famílias para baixar o consumo e, com isso, as importações (porque o problema era o grande desequilíbrio nas trocas com o exterior). 

Em todas ela, a reacção dos portugueses foi extraordinária: apesar dos protestos, que nunca atingiram a dimensão de outros países europeus, a receita foi seguida à risca e a balança corrente (grosso modo balança comercial mais transferências) voltou ao equilíbrio em apenas dois anos. Recordo que as autoridades externas que nos ajudaram nestes três ajustamentos (FMI em 1978 e 1983 e Troika em 2011) previam que o equilíbrio das contas com o exterior fosse atingido ao fim de quatro anos…

A “qualidade” da resposta dos portugueses é elogiada em todos os países europeus e até pelas instituições que nos ajudaram nos três ajustamentos. Há dias, um alto responsável europeu dizia-me que ficou estupefacto com a ausência de violência em Portugal como resposta ao violento pacote que foi imposto aos cidadãos… E citava, a propósito, os primeiros dois anos de ajustamento da Grécia, onde os protestos chegaram a provocar perda de vidas humanas. Expliquei-lhe o que já lhe havia dito em outra conversa, no Verão de 2011 (depois de assinado o memorandum de entendimento): Portugal é, realmente, um caso à parte. O cidadão português protesta, mas cumpre! Foi aí que fui surpreendido por uma pergunta: “Mas por que acha que isto sucede? Eu explico: se vocês já passaram por três ajustamentos, como é que continuam a cometer os mesmos erros?”. 

Touché! Fiquei sem palavras… não porque não soubesse a resposta, mas porque teria de falar muito mal das nossas lideranças. Do outro lado da mesa, outra pessoa que partilhava connosco a refeição, atirou: “Camilo, diga o que costuma dizer na Televisão sobre esse assunto!”. Hesitei, mas acabei por atirar: “Olhe, nós temos uma classe política que, como dizia o poeta há 500 anos, faz fraca a forte gente”.

Se o leitor tiver dúvidas quanto a este ponto, faça o favor de rever as declarações dos responsáveis partidários (Esquerda e Direita) nas últimas semanas: ainda nem saímos da zona de perigo (a nossa dívida pública está no limite da sustentabilidade) e já todos começam a falar em facilidades. Leia-se voltar a gastar o que temos… e o que não temos. As legislativas de 2015 explicam tudo. Tal como em outros momentos dos últimos 40 anos…

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.