Os dilúvios dos líderes políticos portugueses - Camilo Lourenço

Os dilúvios dos líderes políticos portugueses - Camilo Lourenço

Uma das minhas teses sobre as razões do atraso português tem a ver com o nosso défice de Liderança. No Estado e nas empresas (há excepções, sobretudo nas empresas, mas são poucas).

Nesta semana, tivemos, no Estado, um bom exemplo desse défice, a propósito do dilúvio que atingiu Lisboa e quase paralisou a cidade. Manda o bom senso que, quando coisas destas ocorrem, sejam os responsáveis primeiros de uma organização a dar a cara. Neste caso, António Costa, a primeira figura da Câmara Municipal de Lisboa. 

Acontece que a primeira figura do município estava fora da capital, em campanha eleitoral para as primárias do seu partido. E, por isso, foi o vereador do pelouro a dar a cara. Com explicações pouco convincentes (um grande eufemismo...) sobre o que se passou para o problema atingir tal dimensão. 

Esta situação merece dois comentários. O primeiro é que, quando a primeira figura não está, a função de representação deve ser assegurada pela segunda figura. Não por alguém mais abaixo na escala de representatividade, como foi o caso do vereador Manuel Castro. E, ainda para mais, sem experiência...

O segundo comentário é mais pertinente: quem quer concorrer a uma função diferente daquela que exerce (sobretudo se for de natureza electiva) deve abandonar a anterior. Porque, dessa forma, mostra um "commitment" sério para com esse novo objectivo (a liderança de outra organização). 

Imagine a seguinte situação: a pessoa “A” é presidente de câmara (até jura que o seu compromisso é com essa instituição), razão pela qual não se candidata a outros cargos. Mas, como quer liderar o seu partido, resolve conciliar a campanha eleitoral com a gestão do município. 

Pergunta: e se perder as eleições, mantém-se como presidente da câmara? O que fica a pensar o eleitor que confiou nele e que, por isso, o elegeu? Provavelmente, algo do género: "Qual é mesmo o seu empenho nesta função? Não era ele que queria liderar o partido em vez da câmara?".

Situações como esta são muito frequentes na vida política portuguesa (em todos os partidos). E, além de mostrarem o tal défice de Liderança de que falava no início do artigo, contribuem para a eternização das mesmas caras na política. Porque limitam o aparecimento de futuros líderes

Alguém falou em afastamento dos cidadãos em relação à vida política???

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.