A legislação laboral e a deficiente distribuição de valor em Portugal – Camilo Lourenço

A legislação laboral e a deficiente distribuição de valor em Portugal – Camilo Lourenço

Portugal é um país extremado. Em muitas áreas, mas há algumas que se destacam. A área laboral é uma delas. De um lado, temos os que estão contra a legislação laboral (entre os quais está o autor destas linhas); do outro estão os que a defendem com unhas e dentes.

O radicalismo que durante 40 anos separou os dois grupos, impediu uma das reformas que mais poderia ter contribuído para o aumento da produtividade em Portugal. Vou deixar, propositadamente, para outro artigo a análise das responsabilidades (é mais dos sindicatos ou da gestão das empresas?). Hoje ficamos por outro prisma: a distribuição de valor.

Rewind: quando o governo, num “trade-off” infeliz com a Troika, anunciou que ia suprimir quatro feriados, toda a gente ficou com dúvidas quanto à eficácia da medida. E com razão: tirar feriados sem oferecer nada em troca só podia acabar em desmotivação para quem trabalha. O que deveria ter sido oferecido em troca? Simples: valor. Sim, valor. Os patrões/gestores deveriam, logo que foi conhecida a supressão dos feriados, ter feito um contrato nas empresas. Estilo, todo o “valor” extra criado naqueles dias seria partilhado entre a empresa e os trabalhadores. Quanto? 10%, 15%, 20%? É irrelevante. O que era importante era passar para o lado mais “prejudicado” pela supressão dos feriados que seriam beneficiados com algo em troca. Isso teria feito maravilhas pela produtividade das empresas…

Fast forward: por que fui buscar esta questão hoje? Porque Portugal tem um grave problema com a distribuição de valor. Uma análise quase empírica dos dados disponíveis mostra que existe uma deficiente distribuição do valor criado pelas empresas. E isso ajuda a radicalizar os dois campos de que falámos no início deste artigo. Resolver estre problema é crucial para modernizar o mercado de trabalho: se quem trabalha perceber que existe uma melhor distribuição do valor que ajuda a criar (nomeadamente pela criação de um eficiente mecanismo de avaliação, baseado no mérito), a flexibilização da legislação laboral torna-se muito mais fácil. 

Infelizmente, não é isso que acontece. E os “patrões” e os sindicatos continuam, nesta matéria, a passar a mensagem errada para o mercado. Como se viu recentemente com a questão do aumento do salário mínimo. Parece que uns e outros ainda não perceberam que qualquer aumento salarial tem de ser acompanhado por um aumento de produtividade.

 



Camilo-Lourenco-colunaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.