Consultoria: a eterna mal-amada da gestão

Consultoria: a eterna mal-amada da gestão

É habitual haver desconfiança entre as empresas de consultoria e as que possam precisar dos seus serviços. Como avaliar este antagonismo, nato, entre os dois lados? Não faz sentido.

Camilo Lourenço

A consultoria costuma ser considerada o patinho feio da gestão. De um lado estão as empresas que oferecem este tipo de serviços. Do outro empresas que, eventualmente, podem precisar dele.

Em condições normais estariam criadas as condições para uma coexistência pacífica entre os dois lados: alguém traz competências de análise do negócio que, supostamente, alguém precisa. Só é preciso determinar o alcance, a profundidade do trabalho e o preço.

Infelizmente nem sempre é assim. É habitual haver desconfiança entre os dois lados. Do lado dos “compradores” é frequente ouvir as maiores desculpas para não trazer alguém de fora: que a empresa tem competências suficientes na área, que os consultores não se podem substituir aos gestores, que é muito caro, que eles aconselham sobre “como fazer” mas “não sabem fazer”, etc. Do lado dos “vendedores” os argumentos são quase simétricos…

Como avaliar este antagonismo, nato, entre os dois lados? Não faz sentido. A consultoria pode trazer à empresa competências que ela não tem. E as empresas podem trazer à consultoria o conhecimento da realidade empresarial.

Vamos a um caso concreto: há pouco tempo fiz uma palestra numa empresa de metalomecânica. A sua expertise era do melhor que já vi no setor: executa trabalhos de precisão, com técnicas avançadas de soldadura, os funcionários têm formação permanente, o desperdício é desprezível (sinal da excelência de processos e qualidade dos executantes). Problema: rentabilidade em queda. 

Em condições normais, a gestão teria tendência a arranjar “desculpas” para o sucedido: mercados que desapareceram (Angola), conjuntura económica em queda, etc. Uma primeira análise, feita pelos quadros, apontou exatamente para esse diagnóstico. Mas os acionistas desconfiaram e sugeriram a contratação de alguém de fora. Com um mandato claro: averiguar se a quebra da rentabilidade era problema conjuntural, provocado pela crise económica, ou estrutural (a procura mudara para outro tipo de produtos).

Primeira vantagem: o mandato da consultoria era claro. Analisar o porquê da descida da rentabilidade. Ou seja, ambos os lados sabiam o que esperar do outro. Não havia espaço para confusão sobre o que se pretendia dos consultores. Segunda vantagem: os consultores tinham três meses para fazer o trabalho. Terceira vantagem: depois de concluído o diagnóstico, um consultor manter-se-ia na empresa para ajudar na implementação de eventuais mudanças.

Esta clareza de objetivos, de campos de atuação e de prazos permitiu limitar conflitos com os quadros da empresa. É claro que também ajudou o bom senso: os consultores tiveram o cuidado de fazer sentir aos quadros da empresa que não estavam ali para os substituir; apenas para os ajudar, levando-os a participar no processo de análise.

Quando perguntei pelo resultado final, a resposta foi inequívoca: “Excelente! Percebemos que a procura está a mudar para produtos que não tínhamos no portefólio. Foi só adaptar a nossa expertise às novas tendências do mercado”. E qual foi a diferença entre ter alguém de fora ou analisar internamente? Outra resposta inequívoca: “Não é que não tivéssemos gente competente para chegar às mesmas conclusões. Mas estávamos tão absorvidos pelas questões operacionais que perdemos a visão global do mercado”. E o preço, questionei? “Se falarmos do valor per si, sim, foi caro. Mas o ‘caro’ tem de ser avaliado em função do resultado: em 2015 a rentabilidade voltou a subir. Ou seja, o resultado compensou o custo do trabalho”.

Voilá!: um consultor não se substitui à gestão. Trabalha com ela. E pode trazer consigo a vantagem de não estar absorvido pelo dia a dia da empresa e o conhecimento das tendências de mercado para ajudar o cliente.

15-03-2016

CamiloOPCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.