A Reforma do Estado e os Líderes Operacionais – Carlos Oliveira

A Reforma do Estado e os Líderes Operacionais – Carlos Oliveira
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A Reforma do Estado é um tema recorrente e antigo, central para o desenvolvimento de Portugal. Mas analisa-se, escreve-se, filosofa-se e debate-se muito e faz-se pouco.

O grande desafio da Reforma do Estado é a identificação, preparação, empoderamento e apoio a líderes operacionais que vão efetivamente fazer a Reforma do Estado. Adicionalmente, é preciso definir e aplicar um conjunto de Regras de Ouro que, uma vez consensualizadas, todos devem seguir. 

Relatório da APDSI – Um Farol de Implementação

Um bom ponto de partida para a Reforma do Estado é o relatório “Contributos para a Reforma do Estado” publicado pela APDSI. Os partidos políticos e os dirigentes da Administração Pública terão muito a ganhar se consultarem e aplicarem estes contributos, elaborados por personalidades que têm experiência prática e provas dadas no terreno. Por indisponibilidade de agenda, não pude aceitar o convite do Dr. Afonso Silva, coordenador do estudo, para pertencer ao Grupo de Trabalho, pelo que aqui me penitencio dando um pequeno contributo nos parágrafos seguintes.

Cinco Regras de Ouro Para Se “Realizar” A Reforma

Apresentam-se a seguir cinco regras de ouro essenciais para se “fazer de facto” a reforma do Estado.

1. Trabalhar Através de Campeões

O primeiro passo é trabalhar com os dirigentes da Administração Pública (AP). A análise e a definição do modelo da reforma do Estado deve ser trabalhado essencialmente “com” os dirigentes da AP. Eles são os decisores diários e os gestores da máquina do Estado. A crítica generalizada e fácil, o desprestígio e o controlo excessivo sobre os dirigentes da AP é o primeiro passo para não se fazer nenhuma reforma do Estado. Na minha experiência como Coordenador da UMIC na Presidência de Conselho de Ministros, tive contacto transversal com os dirigentes da AP. A maioria destes dirigentes são altamente motivados pelo espírito de missão, competentes, dedicados, trabalhadores compulsivos, criativos, resilientes e conseguem obter resultados em condições muito adversas. No geral têm uma qualidade superior aos gestores no setor privado, muitos dos quais não sobreviveriam ao desgaste do trabalho no setor público.

Qualquer reforma que seja para passar do papel  à prática, deve basear-se na identificação, reforço e mobilização de campeões vindos da AP, i.e., líderes operacionais que fazem as coisas acontecer junto dos seus pares.

2. O Novo Paradigma não é Ideológico mas Tecnológico e Operacional

A maioria dos analistas focam-se na componente ideológica e política. O papel do Estado, quem paga, etc. É muito relevante e interessante, mas esse foco dificulta os consensos necessários. Tanto mais que o novo paradigma é proporcionado pelas Tecnologias de Informação. O desafio é mais técnico e mais centrado nas questões de eficiência e da prestação do serviço do que parece. É preciso reduzir o ruído oratório e inconsequente do debate ideológico e político em redor da reforma do Estado, e dar mais voz à componente mais técnica. As Tecnologias de Informação permitem alterar o relacionamento do Estado com o cidadão de uma lógica de “um para muitos” para uma lógica de “um para um”, dando mais voz ao cidadão ao mesmo tempo que aumenta a eficácia e reduz custos.

3. Um Desafio Cultural

O Estado funcionaria muito melhor, com a tecnologia e os recursos que tem, através de uma simples mudança cultural nos decisores políticos e dirigentes. Basta cada um dar continuidade ao anterior, melhorando, em vez de suspender a aplicação de medidas e modelos dos antecessores nos cargos, para o Estado poupar imenso e funcionar muito melhor. Adicionalmente, cada político e dirigente deve trabalhar com um Plano de Trabalho Calendarizado e KPIs concretos, sem receio de prestar contas com muita regularidade e de serem avaliados com regularidade.

4. Trabalhar sobre Processos e Projetos Concretos

A reforma do Estado faz-se através da transformação de processos de A a Z, de forma focada e intensiva. Os grandes planos valem de pouco, pois ficam essencialmente no papel e na oratória oca e inconsequente. O que realmente transforma a AP é a reengenharia e modernização incremental de processos da AP, um a um. Isso requer essencialmente trabalho técnico.

5. O Estado tem de Ser Responsável

Limitar a reforma do Estado à redução da sua dimensão e da despesa é um erro. Por outro lado, o Estado tem de ser responsável, i.e. pagar-se a si mesmo, evitando perigar todo o desenvolvimento económico e o bem-estar dos cidadãos. Portugal fez a opção de pertencer ao Euro, o que nos traz vantagens insubstituíveis. Essa opção requer o cumprimento das regras europeias de défice zero.

Adicionalmente, tem de haver dinheiro para se poder apoiar a economia quando esta precisa, para não se ter de vender as nossas empresas aos estrangeiros e para se salvaguardar o Estado Social para as gerações futuras e não apenas esta.

Em suma, o debate sobre a reforma do Estado é oco e inconsequente. Alimenta a comunicação social e serve o discurso político, mas não serve o país. Para haver uma reforma do Estado real é necessário: trabalhar através de campeões da AP, ter um foco tecnológico e operacional, mudar a cultura dos decisores e dirigentes, focar em processos concretos e assumir a responsabilidade pelos resultados obtidos, financeiros e operacionais. O recente relatório da APDSI aponta o caminho para quem estiver mesmo interessado.

 


CMO-PLCarlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como a África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.