Depois do tão conhecido quociente emocional, eis que há algo mais a ter em conta tanto pelas organizações como pelos colaboradores: o quociente cultural, ou inteligência cultural, cada vez mais uma competência de futuro.
Andrea Correia de Jesus
Já não são só aqueles que viajam por motivos profissionais que se veem confrontados com a questão de saber como agir em contextos interculturais. Os ambientes de trabalho apresentam-se cada vez mais diversificados, com a dimensão cultural a surgir como fator essencial a considerar nos relacionamentos com colegas, parceiros e clientes. O desafio coloca-se até em equipas na mesma organização, dado que as diferenças culturais não estão só relacionadas com nacionalidade, etnia e crenças, mas abrangem também as referências e as atitudes que se apercebem, por exemplo, quando se trabalha com grupos de várias gerações.
Desde que o livro “Inteligência Emocional”, de Daniel Goleman, se tornou um best seller na década de 1990 que se passou a considerar a inteligência/quociente emocional (QE) um fator adicional de sucesso nas organizações. As competências interpessoais (como o sentimento de empatia ou o respeito pelos outros) somam-se assim às competências analíticas e de processamento de informação para medir o desempenho.
Agora surgem os conceitos de inteligência cultural e de quociente cultural (QC) como fatores críticos de sucesso e em vários estudos que definem quais as competências de futuro.
“Mas a inteligência emocional não é suficiente?” perguntarão alguns. Ambas as formas de inteligência – a emocional e a cultural – se baseiam em aspetos interrelacionais. De forma simplificada: a inteligência cultural vem acrescentar mais uma dimensão, ao se considerar o contexto intercultural nas relações com os outros para além da situação e da personalidade de cada um.
Recordemos que a inteligência emocional é a capacidade de identificar e de lidar com as próprias emoções e sentimentos, e de reconhecer as emoções dos outros para gerir situações e pessoas. Por exemplo, durante a sua apresentação numa reunião apercebe-se de que um colega faz uma expressão que interpreta como sendo de espanto. E, em vez de a interpretar mediante o seu mapa interno (ou perspetiva), opta por lhe perguntar se tem alguma dúvida ou algo a acrescentar. Aqui, a inteligência cultural tem em consideração o facto de como pessoas de diferentes partes do mundo e origens se exprimem de forma verbal e não verbal. Neste exemplo, ter em conta o contexto cultural implicaria que refletisse sobre a melhor forma de abordar o seu colega para compreender e acautelar a reação deste; e, dependendo da cultura subjacente, só então ponderar se deveria questioná-lo durante a reunião ou mais tarde, a sós.
Talvez valha a pena referir que pessoas com QC alto não são peritas em todos os tipos de cultura. Muito mais apresentam as competências para facilmente se orientarem em situações novas de forma confiante e fazerem julgamentos acertados baseados nas suas observações. São curiosas em relação a comportamentos diferentes e pouco familiares e conseguem reconhecer características coletivas de um grupo em particular, permitindo-lhes identificar o impacto de dada cultura. Reconhecem a complexidade das influências culturais e refletem como estas representam uma dimensão adicional face às outras características do indivíduo relacionadas com a sua função (por exemplo, vendas) ou com a sua personalidade (como ser introvertido).
É possível desenvolver a inteligência cultural?
A boa notícia é que é possível. E, se considerarmos a crescente mobilidade e a diversidade cultural de pessoas por motivos de trabalho ou outros fatores nos últimos tempos, até se pode acrescentar que nunca foi tão fácil ter oportunidades para desenvolver estas competências. Temos o caso de Portugal, uma nação desde há várias décadas de fronteiras abertas ao turismo e à circulação de pessoas de diferentes culturas e religiões, além de que o passado à descoberta de outros continentes e o número elevado de emigrantes a viver “lá fora” terá alargado a capacidade de observar e de percecionar diferenças culturais. É só uma questão de se aprofundar os conceitos.
A inteligência cultural é medida numa escala semelhante à aplicada ao quociente de inteligência. Diz-se que pessoas com um QC alto têm mais facilidade em se posicionarem em ambientes diferentes e de usar práticas de negócio mais efetivas de forma a apresentar melhor desempenho em contextos interculturais.
Os métodos usados para medir a inteligência cultural e o QC baseiam-se em fatores cognitivos e metacognitivos, motivacionais e comportamentais.
Modelos simplificados apresentam quatro passos no uso e no desenvolvimento da inteligência cultural, nomeadamente:
1. Aumentar o conhecimento sobre os hábitos, valores e crenças de outras culturas tendo em atenção que o importante não é ser um especialista em muitas culturas, mas sim em aperceber as semelhanças e as diferenças culturais, e de como dada cultura influencia comportamentos, valores e crenças.
2. Definir a estratégia que se reflete no planeamento de ações com base nas observações das diferentes culturas e do sentido que se dá a essas observações.
3. Refletir sobre a motivação individual e as razões que levam ao esforço de querer aprender sobre diferentes culturas e de querer agir de forma confiante em contexto de culturas diversas.
4. Passar à ação como forma de adaptar o seu comportamento a contextos culturais diferentes e ter capacidade de lidar de forma ágil e livre de ideias pré-concebidas com as dificuldades que vão surgindo.
Como foco central para o desenvolvimento tanto da inteligência emocional como da inteligência cultural está a autoconsciência enquanto pilar para aperceber e reconhecer os nossos hábitos, os nossos pontos cegos e desafiar os padrões dos nossos pensamentos. Para desenvolver a inteligência cultural qualquer destes quatro passos apresentam um bom ponto de partida.
Que tal iniciar o desafio de desenvolver a inteligência cultural e de “tomar consciência” ao perguntar a colegas e vizinhos de outras nacionalidades quais as épocas festivas que costumam celebrar e como o fazem?
04-10-2023
Portal da Liderança
Andrea Correia de Jesus, formada em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, é apaixonada pelo desenvolvimento de pessoas. Com experiência estratégica e operacional junto de equipas e stakeholders a todos os níveis, é especialista em desenvolvimento de liderança na empresa internacional de consultoria de gestão LBC. Regressou ao país de origem, Portugal, após uma carreira internacional especializada em gestão de talento – em que trabalhou na Daimler e na Mercedes em países como os EUA, Reino Unido, França, Singapura e, mais recentemente, na Alemanha. O seu foco é colaborar com líderes no sentido de melhorarem o impacto dos negócios na globalização, assim como na atração e no desenvolvimento de talento.