O que aprendi nos 10 anos de RP da Apple

O que aprendi nos 10 anos de RP da Apple
7 minutos de leitura

Comecei a trabalhar para a Apple do lado da agência de relações públicas (RP), na Porter Novelli em Sydney, Austrália, em 1997. Steve Jobs tinha acabado de regressar à companhia de origem americana. E a linha de produtos era uma mistura de computadores com nomes confusos, impressoras, scanners, e ainda um curioso e mal concebido PDA denominado Newton.

Cameron Craig

As perspetivas para a marca na altura não eram famosas – a maioria dos meios de comunicação social referia que a empresa era uma sombra do que tinha sido. Na altura as notícias eram uma reciclagem infinita de manchetes como “Podre até ao caroço”, “Previstas demissões em massa na Apple” ou “101 maneiras de salvar a Apple”. Mal sabia eu que, nos dez anos seguintes, iria fazer parte da maior recuperação empresarial da história. Mudei-me de Sydney para Singapura, onde ingressei na companhia e liderei as comunicações da região Ásia-Pacífico. Mais tarde fui transferido para a casa-mãe, em Cupertino, na Califórnia, para a equipa de RP de produto. Durante o período a Apple iria provar aos céticos que estavam errados e deslumbrar o mundo com as inovações revolucionárias, marketing magistral e abordagem diferenciadora. E a divisão de RP desempenhou um papel crucial. Seguem-se cinco lições que retirei daqueles dias e que tiveram uma enorme influência na forma como ainda hoje abordo a arte de comunicar.

Simplificar. Se já teve acesso a um comunicado de imprensa da Apple, reparou que, em termos de leitura, é facilmente compreendido por um aluno do 4.º ano – qualquer termo de calão, demasiado tecnológico ou cliché não passa no processo de edição. Se um “mero mortal” não conseguisse entender, então tínhamos falhado. E o fracasso não era uma opção. Steve Jobs lia e aprovava cada comunicado.

Passe as suas comunicações por um teste de leitura para determinar quão difícil é compreender a linguagem. Idealmente, quer que o conteúdo seja percetível para uma criança de 10 anos. Quanto mais facilmente as suas comunicações forem entendidas maior é o seu alcance.

Valorizar o tempo dos jornalistas. Costumávamos reservar os comunicados de imprensa e os eventos só para os produtos mais importantes ou os grandes marcos da empresa. Muitos dos produtos importantes, atualizações de software e mudanças de pessoal passaram apenas com um pequeno empurrão de RP, o que por vezes frustrava os nossos clientes internos, que queriam mais ruído no mercado sobre os seus projetos ou pessoas. Ao adotar esta abordagem, os jornalistas sabiam que quando entrávamos em contacto com eles era porque tínhamos algo de importante a dizer.

Contacte os media com moderação e só quando tem algo interessante para oferecer. Não envie comunicados de imprensa para listas em massa. Pesquise os jornalistas que cobrem o tema e customize a comunicação.

Manter a proximidade. Antes de concedermos entrevistas dos executivos de topo e de enviarmos os produtos para testes e análise, certificávamo-nos que cada jornalista, influenciador ou analista tinha um briefing. Explicávamos porque tínhamos colocado o botão daquela forma ou removido um item e apontávamos características subtis de que poderiam não se aperceber ou apreciar sem a nossa orientação. Após a entrevista fazíamos o follow-up para ver se tinham mais questões e sondávamos como estavam a moldar a história para podermos dar feedback a nível interno. Se estivessem com dificuldades em colocar algo a funcionar tínhamos as equipas de marketing e de suporte técnico de produto de plantão para dar apoio. Se percebêssemos que a história estava a desviar-se da nossa mensagem-chave, reuníamos esforços para a corrigir.

Assim que captar o interesse de um jornalista faça follow-up com diligência, mas não seja “melga”. Se forem testar o seu produto ofereça-se para o deixar em pessoa e até fazer uma rápida demonstração. Se estiverem a fazer uma peça sobre um serviço que proporciona, forneça referências de clientes (criteriosamente escolhidos); pergunte se precisam de imagens específicas para ilustrar a peça. Será que precisam de ajuda para perceber onde se encaixa o produto em relação à concorrência?

Manter o foco. A nossa missão era contar a história de como os nossos produtos inovadores davam aos clientes o poder de libertarem a sua criatividade e de mudarem o mundo. Acontecia termos, num só dia, todos os tipos de solicitações aos nossos porta-vozes para que comentassem as tendências do setor, política ou inúmeros outros assuntos. Se um dos pedidos não se encaixava na nossa missão, declinávamos de forma educada. Era uma abordagem que nos ajudava a usar o tempo de forma mais eficiente.

Esforce-se para se tornar um especialista na sua área. Defina as suas mensagens-chave e mantenha-as. Não disperse as suas contas nas redes sociais com mensagens desenquadradas/fora do tópico. Ofereça ajuda aos jornalistas e analistas do setor que fazem a cobertura da sua área – mesmo que nem sempre haja um benefício direto para si.

Priorizar os influenciadores. Não trabalhávamos com longas listas de media. Optámos por nos concentrarmos num número relativamente pequeno de jornalistas que acreditávamos que definiam o tom para os restantes. Proporcionávamos a esta seleção entrevistas exclusivas na sequência de um lançamento, ou eram os primeiros a testar os novos produtos. Ao manter o número reduzido, a nossa abordagem de proximidade permitia gerir melhor o processo. Após a cobertura inicial dos formadores de opinião, expandíamos o nosso alcance para os jornalistas regionais e as publicações de trade.

Concentre-se em cultivar relações estreitas com os cinco a dez principais influenciadores de media que cobrem a sua área. Mais uma vez, não exagere na mensagem. Dê-lhes feedback sobre o que ouviu os colegas e parceiros do setor comentarem sobre os artigos que escreveram. Comente e inicie debates sobre as peças deles nas suas contas de Twitter, Facebook e LinkedIn. Quando estiver a preparar um comunicado considere oferecer-lhes um ângulo em exclusivo.

Mas, mais importante, respeite a sua marca. É o seu maior trunfo e tem de o proteger. Esta é a maior lição de todas que aprendi na Apple. Pense duas vezes antes de oferecer os seus produtos em concursos ou algo do género. Analise cuidadosamente as marcas a que se associa. Reflita na sua abordagem de modo diferente e tente destacar-se dos demais.

Talvez nem todas as equipas de RP possam dar-se ao luxo de recusar solicitações e de serem seletivas quanto ao jornalista com o qual querem trabalhar, mas ainda hoje valorizo estas lições. Não há dúvida de que esta abordagem, aplicada de forma consistente nos anos de “vacas magras” mas ricos em inovação para a Apple, contribuiu em muito para a tremenda reviravolta da multinacional e para o sucesso, ainda hoje.

09-09-2016

Fonte: HBR


CameronCraigCom experiência de mais de 20 anos, Cameron Craig trabalhou com a Apple, a Visa, a PayPal, a Polycom e a Yahoo. Antes foi responsável pela comunicação do músico Johnny Cash.