Mo Ibrahim, pioneiro nas comunicações móveis, bilionário e promotor do prémio com o seu nome, refere que "As pessoas não percebem que há líderes de Estado fantásticos em África" mas que "sem um bom governo, África não conseguirá fazer progressos" e que "tem de haver uma lei clara e justa e uma consistência jurídica".
Mo Ibrahim, pioneiro nas comunicações móveis, bilionário, patrocina o prémio com o seu nome que premeia líderes de Estado africanos pela sua liderança. Este prémio tem um valor acima do prémio Nobel, com um pagamento inicial de 5 milhões de dólares e um posterior pagamento anual de 200 mil dólares durante a vida do líder premiado.
Poucas pessoas conhecem África tão bem como o Mo Ibrahim. Qual a dimensão das potencialidades económicas que encerra?
Mo Ibrahim (MI): Gosto de dizer que se quer fazer dinheiro vá para África. E não se trata de um discurso emotivo ou político. Estamos a falar de factos. Basta olhar para os dados fornecidos pelo Banco Mundial. O retorno do investimento é superior ao possível em quase qualquer outro lugar. Não é preciso ser um génio para reconhecer o potencial de África. O continente está recetivo a novos serviços, comércio, a grandes projetos ao nível das infraestruturas e é rico em vários recursos naturais.
O que é que o continente precisa para conseguir crescer?
MI: Capital. E é por isso que o retorno é tão elevado. As necessidades de investimento são imensas e as reservas limitadas. Nos países ocidentais, há um grande desfasamento entre a reputação que África tem e a realidade quando a analisamos.
Para a minha geração, a imagem de África foi criada à volta dos filmes do Tarzan. Pessoas em tribo que vivem na selva, que usam poucas roupas e que se comem umas às outras. Ficámos com a ideia de que é um continente canibal. Isso foi nos anos de 1940 e 50…
Mas a única coisa que mudou desde então foi o conjunto das personagens. Quando as pessoas no Ocidente ouvem ou leem sobre África, é normalmente sobre guerras civis, como as que estão a acontecer agora na Somália ou no Mali, ou sobre a fome. Na época das festividades recebem cartões com imagens tocantes, com as caras de crianças com uns olhos enormes. As pessoas pensam para consigo, aqueles africanos não conseguem sobreviver sozinhos. São pobres. Estão doentes. Estão subnutridos. E as crianças não podem ir para a escolar. Claro que as organizações humanitárias têm as melhores intensões, mas não estão exatamente a transmitir a realidade de África.
Essa imagem negativa cola-se a África.
MI: Exatamente. Até quando se trata de líderes africanos, as pessoas no Ocidente continuam a pensar nos horrores dos últimos cinquenta anos: Idi Amin, Mobutu Sese Seko, Sani Abacha, entre outros cleptocratas. As pessoas não percebem que há líderes de Estado fantásticos em África. Quem conhece o Joaquim Chissano em Moçambique, o Festus Mogae no Botswana, ou o Pedro Pires em Cabo Verde? Estes homens são heróis. São modelos a seguir. Temos de os tornar mais conhecidos na sociedade ocidental e nas nossas organizações. O Prémio Nobel é atribuído para dar a conhecer cientistas, e é excelente, mas ninguém realmente destaca os fantásticos líderes africanos.
E foi por isso que criou um prémio que confere ao vencedor um valor monetário superior ao do Prémio Nobel?O prémio Mo Ibrahim, pelas conquistas na liderança de excelência que é atribuído a chefes de Estado de países africanos, e que lhes confere 5 milhões de dólares ao longo de dez anos após deixarem o cargo e 200 mil dólares anuais durante a sua vida.
MI: O objetivo do prémio pretende destacar e reconhecer conquistas excecionais. Se um chefe de Estado consegue retirar da pobreza centenas de milhares de pessoas, desenvolver o sistema de saúde e de educação, promover a democracia e, muito importante, deixar o cargo pacificamente e quando previsto, isso tem de ser reconhecido. Nunca me canso de dizer que estas pessoas são heróis. Mas ninguém sabe nada sobre eles!
Como são avaliados os chefes de Estado?
MI: A minha fundação trabalha com a Universidade de Harvard no desenvolvimento dos parâmetros de avaliação do Ibrahim para a governação africana. Estes analisam 88 indicadores estatísticos, em categorias desde ao cumprimento da lei à participação política tendo em vista sustentadas oportunidades económicas. Trata-se de um conjunto de dados que têm por base um vasto conjunto de detalhes que indicam quão bem liderados têm sido os países de África. Com todas estas informações conseguimos avaliar o desempenho de cada país e dos seus líderes e ordená-los segundo o seu desempenho.
A propósito de boa governação, nunca se falou em corrupção nas suas empresas. Como é que conseguiu isso no meio de um mundo de corrupção?
MI: Primeiro que tudo, tem de se afirmar clara e inequivocamente contra a corrupção, de modo a que os seus colaboradores o percebam e o apoiem. Estava convencido de uma coisa, de que os subornos afetavam negativamente o país, a empresa e os seus acionistas. Qualquer pessoa que aceite subornos coloca o futuro da empresa em risco porque, mais cedo ou mais tarde, tudo virá ao de cima.
Que passos concretos tomou para proteger as suas empresas de biliões de dólares da corrupção?
MI: Desenvolvemos um sistema que promove negociações claras. O maior problema relativamente aos subornos é as pessoas que estão nas sedes não estarem ao corrente do que se passa no terreno. Quando estas visitam as filiais asseguram-se de que tudo está em ordem. Na Celtel, a minha empresa de comunicações em África, resolvemos isso criando a regra de que qualquer pagamento acima dos 30 mil dólares terá de ser aprovado pelo conselho de administração. Todos eles. Assim, se alguém pressionar algum dos nossos colaboradores com um suborno, este pode dizer que terá de obter primeiro a aprovação. Quando todo o trabalho funciona desta forma esta passa a ser a única forma de fazer negócio. E assim acabámos com as pressões.
Como foi colocar está medida em prática?
MI: A parte mais difícil foi conseguir reunir rapidamente todo o conselho de administração. Disse a cada um dos diretores “dê-me o seu contacto particular e o seu número de faz, o número da sua esposa, o telefone e o faz da sua casa de férias - e se está a ter um caso, preciso também do número dessa pessoa”. Claro que isto não foi sempre bem recebido.
Os CEO queixam-se frequentemente de que a corrupção faz parte da vida em certas partes do mundo e de que não podem fazer nada contra isso.
MI: A parte do negócio tem a tendência de se ver no papel de vítima. Não concordo. Está tão envolvida quanto o governo e tem de ser penalizada em caso de suborno. Não faz bem nenhum dizer “O governo é corrupto mas é como o sistema funciona.” Não. É fundamental às empresas perceberem que podem fazer parte da solução. O mundo dos negócios é parte do sistema e é capaz de o mudar.
Tem grandes expetativas sobre as empresas.
MI: Acima de tudo, o negócio tem de promover a liberdade, o cumprimento da lei e da proteção da propriedade, porque a corrupção e o nepotismo afeta as organizações.
Criou duas organizações e vendeu-as por mais de 4 biliões de dólares. Em cada um deles, os colaboradores também saíram beneficiados uma vez que detinham ações sobre elas. Qual a vantagem desta forma de funcionamento?
MI: Há duas coisas que são aqui importantes: justiça e inventivos. Os colaboradores de uma empresa devem ver-se como parceiros, também é a empresa deles. Isto dá origem a uma dinâmica e atitude completamente diferente. Quer melhor motivação poderá haver? Às vezes os acionistas são céticos quanto a uma elevada participação de colaboradores. Nós dizemos-lhes que nunca perdemos quando os colaboradores têm também um interesse financeiro no sucesso da organização. O bolo apenas fica maior. É uma situação em que todos ganham.
Para além do funcionamento interno, quão importante é um ambiente liberal para se fazer negócio?
MI: A liberdade é fundamental caso deseje que a empresa prospere. São igualmente importantes as regras de funcionamento e a sua aplicação. Tem de haver o equilíbrio certo entre a liberalização da economia e a sua regulação.
Quais são os pré-requisitos fundamentais para fazer negócio num país em desenvolvimento?
MI: Tem de haver uma lei clara e justa e uma consistência jurídica. As leis não podem sofrer alterações todos os meses. A parte judicial tem também de funcionar bem. Esta tem de ser completamente independente ou nem as melhores leis ajudarão. E finalmente, a justiça tem de ser célere. Se um tribunal demora 10 anos a chegar a um veredito, de pouco servirá. Nessa altura alguma das partes terá aberto falência.
África continua na pobreza devido a ainda não existirem estes pré-requisitos?
MI: Até um certo grau, sim. Na verdade, tem de ser dito que tem havido grandes progressos no cumprimento da lei em muitos países africanos. Hoje em dia, preferia ir para um tribunal em África do que na Rússia ou na China. O judicial não obviamente perfeito, mas não é tão mau como as pessoas fora de África gostam de pensar. Muitos tribunais são justos. Mas é verdade que sem um bom governo, África não conseguirá fazer progressos.
Qual o papel que a ajuda ao desenvolvimento deve ter em África?
MI: Estou convencido de que o continente consegue fazê-lo por si próprio. Não precisamos de ajuda e nem de dinheiro para o desenvolvimento. O que precisamos é de investimento. No último ano, foram investidos pelo estrangeiro cerca de 50 biliões de dólares e poderíamos ter usado cerca de 200 biliões de dólares. Não me interprete mal, não tenho nada contra a ajuda humanitária e o que esta consegue fazer depois de um tsunami na Ásia, um tornado nos Estados Unidos ou mesmo uma guerra civil em África.
Qual a sua opinião sobre o microfinanciamento?
MI: O microfinanciamento é bom para promover pequenas iniciativas, como dar a possibilidade a uma costureira de comprar a sua própria máquina da costura. Não dá origem a centenas de postos de trabalho, mas para as mulheres pode significar uma melhoria imensa na forma como vivem. É como uma orquestra, onde cada instrumento tem uma parte a tocar.
É formado em engenharia e gere empresas de telecomunicações móveis. Qual a importância do telemóvel para África?
MI: Será impossível sobreavaliar a sua importância socioeconómica e política. É imensa. África é o segundo maior continente do mundo e a sua população tem estado isolada em termos tecnológicos. Muito poucas pessoas poderiam suportar o custo de uma linha telefónica. E mesmo que tivessem o dinheiro necessário, teriam de esperar anos para a obter, devido aos monopólios estatais operados muito ineficientes. Quase ninguém tinha televisão. As pessoas tinham acesso a muito pouca informação sobre o mundo ou mesmo sobre o seu próprio país. A indústria das telecomunicações deu origem a uma revolução. Esta tornou possível existir uma sociedade civil ativa e informada e isso criou riqueza.
Riqueza?
MI: O mobile banking – transferir dinheiro através do telemóvel – basicamente mudou a África. Para si na Suíça é normal ter uma conta bancária e fazer transações online ou através de uma agência local. E tem um leque diversificado de cartões de crédito. Até há bem pouco tempo, nada disso acontecia em África. Os bancos atuavam quase exclusivamente apenas nas maiores cidades e apenas para um pequeno grupo de clientes de negócios e elites. Imagine uma empresa que tinha de atuar sem recorrer a serviços financeiros! Assim, o mobile banking deu acesso aos bancos para milhões de pessoas. Agora podem enviar e receber dinheiro sem custos associados ao serviço. Isto trouxe grandes melhorias na vida das pessoas. Uma mulher cuja mão viva num povoado a vários dias de distâncias, pode mandar-lhe dinheiro em segundos. Um agricultor deixa de ter de se deslocar apenas para encomendar sementes. Dois agentes de câmbio que operam junto à região fronteiriça querem completar uma transação com xelins do Uganda e xelins da Tanzânia? Graças ao telemóvel sabem exatamente qual a taxa de câmbio nesse mesmo instante. Isto é altamente eficiente e gerador de prosperidade.
Qual pensa ser o futuro desse tipo de serviços móveis?
MI: África é hoje líder no mobile banking. O futuro da banca de retalho reside no móvel, mesmo nos países ocidentais – é simplesmente mais rápido e mais prático. A África é muito avançada no que toca às telecomunicações móveis. A Celtel começou com as taxas no roaming há dez anos atrás. Existe uma operadora móvel na sua área de residência que lhe ofereça o mesmo custo para chamadas nacionais e internacionais entre países vizinhos?
Que mais poderemos aprender com a África?
MI: Não sei se estou em posição para responder a isso. O Ocidente gosta de nos dizer o que temos de fazer. Nós podemos todos aprender uns com os outros, mas não nos deveríamos estar a dizer uns aos outros o que devemos fazer.
O telemóvel é usado com tantos propósitos diferentes nos países em desenvolvimento. Qual deles não conseguiu antecipar?
MI: Já vi serviços que ajudam a expor a corrupção. Se uma autoridade pede um suborno, você poderá tirar uma fotografia e enviá-la para o local certo e denunciá-lo. Ou então aquela aplicação dedicada à segurança pessoal; caso seja atacado, a aplicação envia uma mensagem de texto pata todos os telemóveis na área e para a estação local de rádio.
Referiu que as telecomunicações móveis também têm repercussões políticas.
MI: Em regimes repressivos, os direitos dos cidadãos são limitados. Estes não podem comunicar livremente, expressar as suas opiniões e reunir publicamente. Nesses países, o governo controla habitualmente a polícia, os militares e mesmo os média. Os telemóveis vieram fazer a diferença.
De que forma?
MI: Tornou-se mais difícil para os regimes esconderem o que fazem. Caso aconteça alguma coisa, as notícias espalham-se como fogo. Além disso, hoje em dia, as pessoas podem trocar informação livremente e organizarem a resistência longe dos olhares do Estado. O telemóvel desempenhou um papel central na “Primavera Árabe”. Vivemos no escuro e sem expressão no passado. A minha geração apenas tinha o jornal diário, uma estação de rádio e uma de televisão – e todas pertenciam ao governo. Hoje acenderam-se as luzes. O telemóvel deu à sociedade uma ferramenta para a liberdade, para resistir à opressão.
Entrevista conduzida por Daniel Ammann e Simon Brunner
Fonte: Credit Suisse
Mohamed Ibrahim nasceu no norte do Sudão em 1946. Filho de um comerciante de algodão, foi educado no Egito. Trabalhou para a empresa de comunicações sudanesa, tendo obtido o seu doutoramento no Reino Unido quando estava ao serviço da British Telecom no seu novo ramo das telecomunicações. Em 1989 fundou a sua própria empresa de consultadoria, a qual vendeu em 2000. Em 1998 fundou a Celtel, que vendeu cinco anos depois por 3400 milhões de dólares. Hoje a sua atividade é quase exclusivamente dedicada à filantropia através da Fundação Mo Ibrahim. Esta publica anualmente um relatório sobre a governação em África (o Ibrahim Index of African Governance) e premeia excecionais líderes africanos com o Mo Ibrahim para a Liderança de Excelência em África, tendo este um prémio inicial de 5 milhões de dólares e um pagamento anual para a vida, no valor de 200 mil dólares, atribuído aos Chefes de Estado que excecionalmente promovam maior segurança, direitos à saúde, à educação, ao desenvolvimento económico e político nos seus países, e cedam o poder de forma democrática aos seus sucessores. É membro da Comissão Consultiva Regional para a África na London Business School e presidente fundador de Satya Capital Limited, um fundo de investimento centrado na África. Em 2008 foi incluído pela revista TIME como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. De acordo com a Lista de multimilionários de Forbes em 2013, Mo Ibrahim tem uma fortuna de 1.100 milhões de dólares.