Alguma vez se queixou que as pessoas que trabalham consigo não lhe dão ouvidos? Ou que ligam pouco ao que diz? Ou agem contrariadas? Seguramente que sim. As empresas e organizações são feitas por pessoas.
E todas as interacções que ali acontecem têm como pano de fundo a natureza humana: pessoas que num determinado dia acordaram mal dispostas, um casal que teve um desatino conjugal na noite anterior, um familiar que se encontra doente, dificuldades financeiras, etc. É natural por isso que a interacção no trabalho seja afectada pela ansiedade associada a estados de alma.
Mas nem sempre os problemas surgem por culpa alheia. Às vezes o problema é outro: Você. Sim, você. Se não acredita, antes de continuar a ler o artigo faça este exercício: já experimentou ouvir-se a si próprio? Experimente. Basta fazer o “download” de uma de milhares de aplicações disponíveis para smartphone e, num momento de tensão, repita para o aparelho o que acabou de dizer a alguém. Mas seja honesto: repita a frase com o mesmo tom de voz que utilizou. Vai ficar surpreendido…
Um dia, quando exercia funções de direcção, uma colaboradora pediu para falar comigo. Estava desolada: queixava-se que “não conseguia tirar nada” de alguém que trabalhava sob sua supervisão. Ao fim de dez minutos de conversa percebi o problema. Mas em vez de lho transmitir directamente, tentei que fosse ela própria a descobrir a razão. Primeira pergunta: por que não ligou ao problema mais cedo? Resposta: “Porque pensei que passaria com o tempo”. Segunda pergunta: “O problema é só consigo ou afecta outras pessoas? “Pelo que percebo, é só comigo”. Terceira pergunta: “Já experimentou falar com ela na presença de outra pessoa”? Resposta: “Já”. “E a reacção foi a mesma”? Resposta: “Foi”. Quarta pergunta: “E pediu opinião à ‘testemunha’”? Resposta: “Não”.
Então arrisquei: “Peça. Pode ser que o problema esteja em si”. Passadas duas semanas a conversa repetiu-se. Mas desta vez para a Joana me comunicar que descobrira o problema. “Como?”, perguntei. “Primeiro gravei-me a mim própria. Soava a autoritário. Tão autoritário que se me tivessem falado daquela maneira reagiria mal”.
Perguntei-lhe se tinha chegado para resolver o problema. “Não. Falei com a pessoa de forma aberta e perguntei-lhe o que achava que corria mal entre nós. E a resposta foi ‘a forma de falar’”. Atirei: “Mas isso você já tinha percebido, pela gravação”. Joana assentiu, mas acrescentou: “Mas não era só isso. Fiquei a perceber que falava com ela como o pai, autoritário, a tratava na adolescência”.
Parece simples não é? Parece mas não é. A primeira reacção de alguém que tem um problema é pensar que a causa desse problema está… na outra pessoa. Se for esse o seu caso, faça o exercício da Joana: grave-se a si próprio. E se não gostar do que ouve, é porque a outra pessoa também tem razão para não gostar. E mude. Sobretudo mude. De atitude!
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.