Queixa-se das pessoas com que trabalha? E já se ouviu a si próprio? - Camilo Lourenço

Queixa-se das pessoas com que trabalha? E já se ouviu a si próprio? - Camilo Lourenço

Alguma vez se queixou que as pessoas que trabalham consigo não lhe dão ouvidos? Ou que ligam pouco ao que diz? Ou agem contrariadas? Seguramente que sim. As empresas e organizações são feitas por pessoas.

E todas as interacções que ali acontecem têm como pano de fundo a natureza humana: pessoas que num determinado dia acordaram mal dispostas, um casal que teve um desatino conjugal na noite anterior, um familiar que se encontra doente, dificuldades financeiras, etc. É natural por isso que a interacção no trabalho seja afectada pela ansiedade associada a estados de alma.

Mas nem sempre os problemas surgem por culpa alheia. Às vezes o problema é outro: Você. Sim, você. Se não acredita, antes de continuar a ler o artigo faça este exercício: já experimentou ouvir-se a si próprio? Experimente. Basta fazer o “download” de uma de milhares de aplicações disponíveis para smartphone e, num momento de tensão, repita para o aparelho o que acabou de dizer a alguém. Mas seja honesto: repita a frase com o mesmo tom de voz que utilizou. Vai ficar surpreendido…

Um dia, quando exercia funções de direcção, uma colaboradora pediu para falar comigo. Estava desolada: queixava-se que “não conseguia tirar nada” de alguém que trabalhava sob sua supervisão. Ao fim de dez minutos de conversa percebi o problema. Mas em vez de lho transmitir directamente, tentei que fosse ela própria a descobrir a razão.  Primeira pergunta: por que não ligou ao problema mais cedo? Resposta: “Porque pensei que passaria com o tempo”. Segunda pergunta: “O problema é só consigo ou afecta outras pessoas? “Pelo que percebo, é só comigo”. Terceira pergunta: “Já experimentou falar com ela na presença de outra pessoa”? Resposta: “Já”. “E a reacção foi a mesma”? Resposta: “Foi”. Quarta pergunta: “E pediu opinião à ‘testemunha’”? Resposta: “Não”.

Então arrisquei: “Peça. Pode ser que o problema esteja em si”. Passadas duas semanas a conversa repetiu-se. Mas desta vez para a Joana me comunicar que descobrira o problema. “Como?”, perguntei. “Primeiro gravei-me a mim própria. Soava a autoritário. Tão autoritário que se me tivessem falado daquela maneira reagiria mal”.

Perguntei-lhe se tinha chegado para resolver o problema. “Não. Falei com a pessoa de forma aberta e perguntei-lhe o que achava que corria mal entre nós. E a resposta foi ‘a forma de falar’”. Atirei: “Mas isso você já tinha percebido, pela gravação”. Joana assentiu, mas acrescentou: “Mas não era só isso. Fiquei a perceber que falava com ela como o pai, autoritário, a tratava na adolescência”.

Parece simples não é? Parece mas não é. A primeira reacção de alguém que tem um problema é pensar que a causa desse problema está… na outra pessoa. Se for esse o seu caso, faça o exercício da Joana: grave-se a si próprio. E se não gostar do que ouve, é porque a outra pessoa também tem razão para não gostar. E mude. Sobretudo mude. De atitude!

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.