Liderança baseada em valores

Liderança baseada em valores
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Para uma empresa ser bem gerida, a reflexão e introspeção dos seus gestores, a sua maturidade emocional, podem ser tão importantes como os resultados. Neste sentido, são várias as questões que os líderes têm de colocar a si próprios. E depois há a “one-million-dollar question”.

Sandra Brito Pereira

Em tempos tive uma conversa muito interessante, numa viagem de avião, com um jovem gestor de categoria (comercial de perecíveis) que me contava que, no âmbito de uma negociação difícil em que se sentiu bastante atrapalhado porque era preciso tomar uma decisão mas não conseguia contactar a sua chefia, pensou: “Vou fazer aquilo que me parece que está correto, que acho que era assim que a minha empresa (o meu CEO) agiria numa situação semelhante”. Creio que este é um excelente exemplo, muito elucidativo, da força de uma liderança baseada em valores.


Li há pouco tempo uma obra muito interessante sobre este tema, intitulada “Becoming the Best – Build a World-Class Organization Through Values-Based Leadership”, de Harry Kraemer, professor de liderança na americana Kellogg School of Management, mas igualmente gestor experiente, CEO com uma longa carreira de gestão de grandes equipas em multinacionais e atualmente no board de mais de dez empresas. Este autor defende que, para uma empresa ser bem gerida, com resultados robustos e sustentáveis, a reflexão e introspeção dos seus gestores, a sua maturidade emocional, a sua consciência e autenticidade, podem ser tão importantes como a sua conta de resultados. Na ótica de Harry Kraemer, para um gestor se poder tornar ou considerar autêntico e consciente precisa de desenvolver cinco dimensões: 1) ser reflexivo, 2) compreender múltiplas perspetivas, 3) manter um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, 4) ser confiante e, no entanto, humilde e 5) gerir bem as expetativas dos outros.

 

A melhor forma de trabalhar estes temas mais densos e profundos e também por isso mais impactantes para a nossa vida, para as nossas equipas e para as organizações por onde passamos, é refletirmos sobre estas múltiplas perspetivas através da colocação de perguntas. Em primeiro lugar, a reflexão pessoal (self-reflection) é o fundamento da filosofia de liderança deste autor, porque permite utilizar as nossas forças de forma a compensar as nossas fraquezas e, acima de tudo, a abrir as nossas mentes para os outros. Neste contexto, somos chamados a ler e a gerir as nossas emoções e a colocar as nossas decisões quotidianas numa perspetiva mais abrangente e holística.

 

Ser consciente significa percebermos o nosso lugar no mundo e compreendermo-nos melhor e às relações que temos com os outros. Permite-nos estabelecer uma direção para as nossas vidas tendo por base o ponto onde estamos e para onde queremos ir. Devemos por isso, enquanto gestores, colocar a nós próprios as seguintes questões: Tiro tempo para refletir sozinho e com os outros sobre o que está a acontecer? O que estou a tentar concretizar com a minha vida e o meu trabalho? Consigo gerir a sua lista de “a fazer” ou é esta que me gere? Em segundo lugar, para compreender múltiplas perspetivas, as perguntas que se colocam são as seguintes: Procuro conscientemente perceber a visão dos outros mesmo que muito distante da minha? Sou capaz de refrear o meu julgamento quando escuto os outros? Como consigo gerir a minha perspetiva da realidade com aquilo que outros me estão a dizer? Em terceiro lugar, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. As questões que não pode deixar de colocar são: Este valor é importante na minha companhia? Como consigo conciliar este equilíbrio à medida que vou incorporando mais responsabilidades profissionais? Faço concessões conscientes sobre o que devo e não devo fazer? Em quarto lugar, ser confiante e paradoxalmente humilde coloca o seguinte tipo de questões: Quão confortável estou em “não saber” e pedir ajuda? Neste momento, quão confiante estou? O que faço para incrementar a autoconfiança nos outros? Em quinto e último lugar, sobre a boa gestão das expetativas dos outros, as questões serão: Como consigo gerir expetativas? Estou constantemente a cumprir o que tinha dito que faria? O que posso fazer para construir relações autênticas com os outros? Por fim, eu acrescentaria a “one-million-dollar question” para concluir: tem tempo para ler este artigo e pensar nestas questões? Vai passar pela vida ou vai ser a vida a passar por si?

03-11-2016

 

SandraBritoPereiraOPSandra Brito Pereira é head of global learning no grupo Jerónimo Martins e professora de Talent Development na Nova School of Business and Economics. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, tem um MBA na Universidade Nova de Lisboa, é mestre em Gestão pela Universidade Nova de Lisboa e doutorada em Psicologia Organizacional pelo ISPA. Tem experiência na docência em matérias de direito e gestão em várias licenciaturas e mestrados, bem como de advogada e consultora nas áreas de direito societário, imobiliário, turístico/hoteleiro e laboral. Foi chefe de gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Tesouro e Finanças e do Ministro da Presidência. Ocupou o cargo de administradora executiva na Invesfer (empresa participada da Refer na área de rentabilização de ativos imobiliários), e exerceu a função de diretora na Carris (património imobiliário, recursos humanos, desenvolvimento organizacional e relações internacionais). Nos recursos humanos, trabalhou sempre primordialmente nas áreas de desenvolvimento organizacional, mudança organizacional, comunicação interna, gestão de talento, programas de liderança.