Na empatia é que está o ganho

Na empatia é que está o ganho
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Há tempos cruzei-me com uma excelente história, contada no livro “Wired to Care”, de Dev Patnaik, sobre a importância da empatia no mundo empresarial.

Nuno Abrantes

No final da década de 1950 os EUA debatiam-se com um problema “gravíssimo” que preocupava os responsáveis políticos: geadas de grandes proporções tinham destruído parte das plantações de café no Brasil, fazendo os preços disparar e provocando protestos numa população que, durante as décadas anteriores, se tinha viciado em café.

Os responsáveis das empresas de café – perante os protestos dos consumidores, e conscientes da impossibilidade de manter os preços continuamente altos – jogaram uma cartada arriscada. Começaram a misturar nos grãos de café de excelente qualidade Arábica os mais amargos e pouco interessantes Robusta – mais resistentes a intempéries e pragas, de menor qualidade, e com um preço significativamente inferior.

Surpreendentemente, os clientes não se importaram. A diferença de sabor parece não ter sido notada e os preços acabaram por baixar. Todos ficaram satisfeitos. Os consumidores, que puderam voltar a beber café sem preocupações de preço, e as empresas, que controlaram os custos e voltaram a ter um negócio saudável.

Houve, no entanto, um “detalhe” que escapou às empresas. A receita seguida era suficiente para manter os clientes habituais satisfeitos (viciados em cafeína e sensíveis ao preço), mas era claramente desastrosa para captar novos consumidores – algo essencial para um negócio saudável. As novas gerações recusavam beber café, não percebendo como era possível alguém gostar de algo tão amargo e desinteressante.

O cenário continuou mais ou menos inalterado até que um jovem de nome Howard Schultz, numa viagem a Itália se apercebeu da forma com os italianos apreciavam e se relacionavam com o café. No regresso aos EUA fundou a Starbucks. O resto é história. Mas o sucesso da Starbucks veio provar que os americanos estavam dispostos a pagar (bem) mais pelo seu café, assim a qualidade e experiência o justificassem. 

Neste ponto coloca-se a pergunta: devem os executivos que tomaram a decisão de misturar o café de boa qualidade com outro de qualidade inferior ser censurados? Afinal, as suas decisões foram devidamente suportadas por estudos de mercado que lhes indicavam que as pessoas não estavam dispostas a pagar mais que um certo preço por uma chávena de café.

O problema reside exatamente aí. Os estudos de mercado mostravam apenas uma parte da história: determinado segmento dos clientes – os viciados em cafeína que precisavam da sua “dose diária” – valorizando quase exclusivamente o preço do café. No entanto, estes estudos foram incapazes de detetar as oportunidades que gravitavam à volta e diferentes soluções para o problema.

É neste contexto que a empatia é uma arma poderosa para libertar as amarras das soluções habituais. Porque permite recolher informação qualitativa e empírica que dá contexto e alarga o espectro de compreensão das necessidades mais ou menos latentes das pessoas.

Uma empresa que incorpore uma cultura de empatia ganha a capacidade de compreender de forma efetiva o ponto de vista dos seus clientes (atuais ou potenciais), aprende a colocar-se no lugar deles (“walk in their shoes”), e a olhar o mundo através dos olhos e matriz de valores dos que definem o sucesso ou insucesso do seu negócio. E isto é meio caminho andado no sentido de criar serviços ou produtos realmente diferenciadores.

14-11-2017


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NunoAbrantes Small

Nuno Abrantes é associate manager na equipa de business design da Novabase. Formado na Design Thinkers Academy, em Londres, coordenou projetos nas áreas da energia, de telecomunicações e governamentais em Portugal, Inglaterra, no Gana e na Holanda.  
Na qualidade de coach de design thinking ajudou a formar mais de 1000 pessoas, entre colaboradores da Novabase e diversos clientes.
Membro do DesignersDNA e do Design at Business, think tanks de empresas que utilizam o design como modo de gerar inovação, é engenheiro pelo IST - Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e tem uma pós-graduação em Competitividade e Estratégia pelo ISEG - Lisbon School of Economics and Management.
Tenista e meio-fundista sofrível e sofrido, prefere sempre um prato bem confecionado a qualquer uma das duas outras atividades.