É possível ressignificar a forma mais ou menos cristalizada como vivemos o mundo, e integrar novas perspetivas de relacionamento com as realidades interior e exterior. Mas, para que tal aconteça, deve existir um forte compromisso pessoal e um inequívoco apoio da organização.
Tiago Roxo
As empresas que acreditam que os resultados financeiros advêm de profissionais mais conscientes apostam muita energia e recursos em programas de desenvolvimento. Da mais elementar formação técnica ao coaching, passando por intervenções de transformação cultural mais integradas, todas elas detêm o princípio comum: o desenvolvimento e crescimento individual são possíveis e desejáveis.
Mas, com o passar dos anos, quantos de nós já presenciámos (e até vivemos na primeira pessoa) o facto de, mudando as ferramentas, os embrulhos ou os estímulos, estarmos recorrentemente a endereçar a mesma área de desenvolvimento?
Os exemplos são muitos. O diretor com tendência para a “diretividade”, que vai mascarando o seu comportamento atrás das parangonas da assertividade, da necessidade de foco da equipa ou da transmissão osmótica da visão pelo entusiasmo. A jovem de elevado potencial com falta de amor-próprio que passa pelos pingos da chuva, na sombra de uma figura de autoridade, mimetizando comportamentos de evitamento ou de intelectualização excessiva que ocultam a sua incapacidade em assumir efetivo poder e responsabilidade. Ou a “shooting star” que vai sendo sucessivamente promovida e aumentando a sua esfera de influência, vendo o seu fascínio pela dissimulação e comportamentos associais perder a conotação de “oportunidades de melhoria” e ganhando epíteto de “chaves para o sucesso”.
Estas formas de relacionamento refletem vivências e aprendizagens profundas que não são fáceis de alterar, muito menos quando não resolvidas na origem. Freud chamou-lhe compulsão à repetição, um reviver de experiências precoces que ditam a forma como convivemos com as figuras do presente. Robert Kegan optou por chamar-lhe imunidade à mudança e sublinhou a influência que as big assumptions têm sobre as crenças que vamos construindo para o mundo que nos rodeia. Com uma abordagem de divã, ou um léxico de sala de conselho de administração, referimo-nos sempre a feridas primordiais ou “calcanhar de Aquiles”, aparentemente impossíveis de sarar ou proteger (dependendo do espaço de reflexão que preferir).
A boa notícia é que é possível ressignificar a forma mais ou menos cristalizada como vivemos o mundo, e integrar novas perspetivas de relacionamento com as realidades interior (primeiro) e exterior (como consequência). Mas, para que tal aconteça, deve existir um forte compromisso pessoal e um inequívoco apoio da organização. O papel da gestão de topo e da equipa de Recursos Humanos é determinante; os primeiros, pelo compromisso de eles próprios iniciarem a sua travessia, apoiarem a viagem da sua equipa e promoverem a criação de processos que protejam os comportamentos desejados; os segundos, no apoio à concretização da visão, nomeadamente no desenho dos estímulos a introduzir na dinâmica das equipas e na experiência do indivíduo. E, o mais importante de tudo, garantir que, pelo caminho, não regressamos ao ponto de partida.
11-10-2017
Portal da Liderança
Licenciado em Psicologia pelo ISPA, Tiago Roxo passou por consultoras como a teamView, a Deloitte ou a Ray Human Capital, onde geriu e entregou projetos de desenvolvimento e sistemas de Recursos Humanos em diversas indústrias.
Atualmente talent manager na Novabase, assume responsabilidades sobre projetos de liderança, cultura e desenvolvimento.
É psicoterapeuta em consultório privado e integra como voluntário o Departamento de Psicologia Clínica da AMI. É ainda membro da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica e da Ordem dos Psicólogos Portugueses.