O caso BES e a insustentável leveza da in-governação – Camilo Lourenço

O caso BES e a insustentável leveza da in-governação – Camilo Lourenço

“Tudo era tratado com o presidente, Ricardo Salgado, e havia indicações do género 'não se preocupem, está tudo a ser tratado pelo Dr. Álvaro Sobrinho, que é gente do melhor”, José Manuel Espírito Santo, ex-administrador do BES.

“Álvaro sobrinho não dava informação a Ninguém, só ao Dr. Ricardo Salgado (...). Havia praticamente uma pessoa a decidir por tudo. Essa pessoa era Ricardo Salgado”, Pedro Mosqueira do Amaral, ex-membro do Conselho Superior do BES.

“O Dr. Sobrinho gozava de grande autonomia, que reportava unicamente ao accionista, na pessoa do Dr. Ricardo Salgado”, Amílcar Morais Pires, ex-CFO do BES.

O resto do artigo de hoje poderia ser uma colecção de declarações como as citadas acima. Mas seria enfadonho para o leitor. Além de que estas chegam para ilustrar o problema que queremos analisar hoje: corporate governance.

Vamos deixar de lado a questão “acusatória”, ou seja, a preocupação em atribuir responsabilidades a alguém no processo BES: Ricardo Salgado, isoladamente, ou o conjunto de pessoas que com ele trabalhava. O que interessa verdadeiramente, ao ouvir quem já passou pela comissão de inquérito, é analisar outro problema: os efeitos da falta de governação na destruição das instituições. 

Pergunta: como é possível ter uma instituição financeira com tanto peso na economia portuguesa, controlada por uma única pessoa (e com tanto poder de decisão)? Como referiu o próprio Pedro Mosqueira do Amaral, “As decisões eram apresentadas, não eram decididas”. E o que choca é verificar que este sistema ultra-presidencialista na banca portuguesa não foi caso único. Se o leitor percorrer os “casos” que ocorreram na nossa banca, nos últimos 10 anos, há uma característica comum: o poder de decisão de um homem só. Foi assim no BPN, foi assim no BPP, foi assim no BCP e, sabe-se agora, foi assim no BES.

Qual a conclusão a tirar de tudo isto? Os supervisores têm de ser muito mais actuantes na questão da governação... e não apenas na análise dos números (onde tem havido, igualmente, falhas). Porque em última instância é o mau sistema de governança de uma instituição que influencia as más decisões. 

As empresas em geral, e os bancos em particular, não podem ficar dependentes da maior ou menor seriedade de quem os dirige. Tem de haver um sistema de “checks and balances”, que garanta que as instituições resistem aos interesses pessoais dos seus líderes. Ao contrário do que disse Mosqueira do Amaral, não se pode acreditar nos números por uma questão “de fé”.

 


Camilo-Lourenco-colunaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.