O Líder como agente de mudança – Camilo Lourenço

O Líder como agente de mudança – Camilo Lourenço

O ser humano é um animal de hábitos. Ou seja, gosta de previsibilidade e repetibilidade. A previsibilidade nos negócios é importante. Por exemplo, em matéria fiscal. Ou laboral... Se as regras não forem estáveis no tempo, os investidores não podem programar os seus investimentos.

Mas a previsibilidade tem um lado negativo: pode conduzir à estagnação. Imagine alguém que trabalha na mesma empresa e no mesmo sector há dez anos. O mais provável é ter “automatizado” processos e comportamentos de tal forma que já os desempenha sem questionar o que faz. E sem criatividade.

Este é um dos maiores problemas para a liderança: como manter o capital intelectual permanentemente focado, estimulando constantemente a inovação e a criatividade. Não é tarefa fácil. Desde logo porque o ser humano, salvo raras exceções, não gosta de sair das zonas de conforto que cria: o lugar na sala, os colegas de trabalho mais próximos, a rotina… tudo passa a fazer parte do seu mundo.  

Como estimular essa mudança com vantagens de parte a parte (para a empresa e para o funcionário)? 

Embora não haja fórmulas milagrosas, há regras que podem ajudar. Em primeiro lugar, criar uma política de rotação de funções; isto é, evitar deixar as pessoas eternamente na mesma função. Mas essa política deve ser anunciada, para que as pessoas se preparem para isso: o simples facto de saberem que não ficarão naquele posto para sempre, vai estimular a sua criatividade. 

Esta rotação permanente tem aspetos menos positivos: para quê mudar as funções de alguém que faz muito bem determinada tarefa? Tem, mas as vantagens superam as desvantagens. Só o simples facto de ficar a saber que terá de mudar de funções estimula a que se reinvente permanentemente. Com reflexo no que faz naquele momento.

Mas há outras soluções que podem ser adotadas. Por exemplo, criar desafios constantes. Sejam eles: 1 - Fixação de objetivos (que devem ser discutidos com os funcionários antes de serem adotados); 2 - Adoção de uma política de “empreendedorismo a 360 graus”. 

1 – Convidar os funcionários a apresentar ideias para reinventar o seu departamento. É uma espécie de empreendedorismo interno: convencer quem trabalha em certo departamento de que pode ser o “driver” de uma mudança que ajude a reinventar o negócio… criando mais valor (parte desse valor deve ser partilhado com os funcionários). 

Por outras palavras, o que se procura é tornar os funcionários em parte interessada na mudança. Não conheço forma mais interessante de mudar uma empresa, se quem nela trabalha souber que o acréscimo de valor vai ser partilhado. A reinvenção da Sky Chefs, especializada em “catering” para aviões, que se viu confrontada com uma quebra de 70% do negócio depois do 11 de Setembro, ocorreu quando alguém convidou a CFO a apresentar soluções para o problema…

2 – Convidar os funcionários a analisar os problemas de outros departamentos, apresentando sugestões de mudança. Isto tem um problema: alguém, do departamento em causa, pode não gostar da interferência alheia. Mas a resistência pode ser ultrapassada, explicando que de fora, por vezes, identificam-se melhor os problemas. E, além do mais, convidar a força de trabalho a olhar para outros departamentos, que não o seu, faz com que todos os funcionários fiquem a conhecer a empresa como um todo. Ou seja, ficam todos com uma visão a 360 graus de como essa empresa cria valor. E essa visão integrada é meio caminho andado para se tornar a empresa mais eficiente, além de facilitar a sua reinvenção. Recordo-me de o CEO de uma empresa um dia me ter contado que o problema mais bicudo de uma linha de produção foi solucionado a partir da sugestão de… uma secretária (que acidentalmente tomou conhecimento do problema).

É claro que nada disto funciona se a organização não tiver quem faça a gestão dos desafios. Isto é, cada departamento tem de ter um Líder com várias competências. A mais importante das quais, a capacidade para analisar o desempenho das pessoas com quem está a lidar e a sensibilidade para estimular a mudança. Por exemplo, um tecnocrata, sem inteligência emocional, nunca conseguirá desempenhar essas funções…

 

Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.