Chegado ao final do dia, da semana, do mês ou do ano, um líder autêntico deve colocar-se a si próprio a seguinte pergunta: “Naquilo que foi a minha atuação, estive consciente do que estava a fazer e respeitei-me a mim mesmo? Ou seja, “Fiz aquilo que era mais correto em termos da informação disponível e dos meus princípios e consciência?”
Um líder autêntico tem de responder a esta pergunta positivamente. De outra forma, corre o risco de se tornar no “idiota útil”, precisamente o oposto de ser líder. No dia-a-dia, estes dois conceitos antagónicos, “liderança autêntica” e “idiota útil”, podem-se confundir mais vezes do que se pensa.
Há dois níveis de idiotas úteis. Aquele que é manipulado sem se aperceber, para defender e fazer aquilo que outros querem que ele faça. E aquele que tem consciência dessa manipulação, mas que serve cinicamente interesses com os quais discorda e faz um papel que os mandantes não fariam, em troca de palco e estatuto. Muitas vezes é difícil saber qual o nível de idiotice, embora muitas vezes evolua do primeiro para o segundo nível.
O idiota útil existe em vários contextos, mas é mais facilmente identificável na comunicação social, nas empresas e na política.
Na comunicação social, o idiota útil é motivado pelo poder de atração da exposição mediática, isto é, pelo gosto pelo palco. Diz aquilo que sabe que a comunicação social ou a opinião dominante gosta de ouvir e projetar, mesmo sabendo que é impraticável, irrealista ou mesmo incorreto, em troca de algum espaço mediático.
Nas empresas, o idiota útil defende ideias e pratica atos que os mandantes acionistas não fariam eles próprios ou é pau-mandado das pessoas de que depende ou do seu grupo de atuação, em troca da nomeação ou da manutenção da sua posição ou cargo. No primeiro caso, é mais comum o idiota útil consciente da sua situação, mas tapa a sua consciência em troca do cargo e das suas benesses.
Na política, o idiota útil defende ingenuamente posições e causas sem conhecer com rigor a agenda que está por detrás dessas posições. Está motivado pela atração da retórica e de boas causas no papel, sem ter o conhecimento de que levadas à prática teriam o efeito precisamente oposto. Noutros casos, está consciente de que o que diz e defende não tem a ver com a realidade, mas faz o frete aos mandantes, em troca de favores e cargos. Em ambos os casos, é visto com menosprezo pelos mandantes e pelos seguidores. É uma fachada.
As pessoas mais fortemente motivadas pelo reconhecimento público, que procuram uma verdade externa ao seu ser e à sua identidade, estão mais vulneráveis a caírem na ratoeira da idiotice útil. As pessoas que procuram o significado da sua vida numa verdade interna, no confronto com a sua consciência e os seus valores têm mais probabilidade de serem líderes autênticos.
A força de um líder advém de uma forte motivação interna, algo que está “cá dentro”, de convicções claras, de princípios orientadores, de um carater forte, da força de um espírito original, genuíno e independente. A estratégia e a coragem, entre outras coisas, permitem depois construir sobre essa base a liderança autêntica.
São muitos os casos de pessoas que aceitam ocupar certos cargos de liderança ou fazer certas coisas que não correspondem áquilo que julgam ou consideram ser o mais correto. São os idiotas úteis. Os líderes autênticos, para se protegerem deste risco, devem perguntar regularmente a si próprios “Naquilo que foi a minha atuação hoje/este ano, estive consciente do que estava a fazer e respeitei-me a mim mesmo?”
Carlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como a África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.