Uma feia história da liderança aos pares – João Vieira da Cunha

Uma feia história da liderança aos pares – João Vieira da Cunha
6 minutos de leitura

Hoje está na moda a liderança aos pares.

Algumas empresas muito conhecidas, como o Deutsche Bank e a Oracle, têm dois diretores gerais. Há uma série de estudos que mostram que estes pares de líderes podem ser muito mais eficazes do que um líder solitário (o livro ‘Sharing Executive Power’ é um bom sítio para começar a ler sobre este tema).

Também há pares de liderança que têm um líder e um subordinado. Sim, um subordinado. É que li muita literatura distópica quando era miúdo para falar de ‘colaboradores.’ 

Há dois tipos de pares líder-subordinado. Há os bons e há os maus.

Nos bons, a relação do subordinado com o chefe é parecida com a relação que o Robin tem com o Batman. São pessoas que têm competências que complementam as incompetências dos chefes. A diretora de recursos humanos da empresa onde fiz a minha tese de mestrado, confessou-me uma vez que não podia passar sem o diretor de desenvolvimento organizacional que trabalhava para ela. Disse-me que: "Sou muito boa a ter ideias, a pensar em coisas novas, mas sou péssima com os detalhes, não tenho paciência nenhuma. Por isso é que gosto tanto do Paulo. É ele que faz as coisas acontecerem. Ele é muito organizadinho e sabe sempre com quem é que se tem que falar para correr tudo bem."

Encontrei poucos pares de Batmans e Robins nas empresas. Encontrei muitos pares de Alexandres-Antónios. Os Alexandres são aquelas pessoas que toda a gente detesta nas empresas. São as pessoas que se dedicam a alimentar o ego dos chefes (os Antónios), que têm como fraqueza terem tanta falta de confiança em si próprios que precisam de alguém que lhes relembre o quão brilhante que o chefe é e o quão estúpidas são as pessoas que não percebem isso. 

Eu conto a história.

O Alexandre era estúpido. Tinha sido um aluno medíocre. Era um vendedor medíocre. É que, para o Alexandre, vender era como estudar, era uma coisa que os tótós faziam porque não tinham outro remédio. Coitados!

De que é que adiantava vender? De que é que adiantava dar o litro todos os dias a vender as tretas que se faziam lá na empresa? Sim, tretas. Nem mesmo os tótós que davam o litro todos os dias, acreditavam que os colchões da empresa endireitavam a coluna dos velhos que os compravam, pois não? Quantos desses tótós é que tinham comprado um colchão daqueles para oferecer à sua mãezinha. Nenhum. Nem um. Zérinho. Pois é!

O Alexandre tinha mais que fazer do que andar a vender colchões. Sim, porque ele era o Alexandre Bonaparte Castro. Os pais não lhe tinham dados dois nomes próprios com o peso de Alexandre (O Grande) e (Napoleão) Bonaparte, para ele andar a vender colchões. Ai não tinham, não.

O Alexandre estava destinado a mandar. Podia ser só mandar nos tótós que passavam a vida a vender colchões. Para o Alexandre não era importante em quem é que mandava. O importante era mandar. Tinha que cumprir o destino que carregava no nome, Alexandre Bonaparte. E, para isso, o Alexandre passava os seus dias a ajudar o chefe, a bajular o chefe, a odiar o chefe — mas da forma mais servil possível. 

O Alexandre trabalhava numa empresa pequena. Era o melhor que tinha arranjado, depois de sair da faculdade. O Alexandre sabia que, numa empresa daquelas, nunca ia mandar no papel. A empresa não tinha cargos de direcção. 

Quem mandava era o Senhor António. Quem mandava era o patrão. 

Mas cada vez mais o patrão só mandava no papel. 

O Alexandre tinha conseguido que o patrão o tornasse director adjunto, porque, logo quando entrou na empresa, se ofereceu para ajudar o Senhor António a fazer uma folha de cáculo que calculava os custos dos colchões. O Senhor António tinha ficado maravilhado com a folha de cálculo e tinha pedido ao Alexandre para fazer mais algumas, para controlar os gastos gerais e para controlar as vendas dos vendedores. 

Na verdade, era o sobrinho do Alexandre que fazia as folhas de cálculo. O Alexandre dava-lhe uma nota de cinquenta euros por cada folha de cálculo. O puto ficava todo contente e o Alexandre fazia boa figura.

Depois, só foi preciso aproveitar as reuniões que o Alexandre ia tendo com o chefe por causa das folhas de cálculo, para ir elogiando o chefe e para lhe ir mostrando como os outros empregados lá da fábrica não só não davam valor nenhum ao chefe que tinham, mas também parecia gostarem menos da empresa do que os concorrentes. “É gente mal agradecida”, dizia. 

Parecia que só o Alexandre é que estava do lado do patrão. Só o Alexandre é que era de confiança e é preciso ter uma pessoa de confiança, quando as pessoas são mal agradecidas.

Foi assim que o Alexandre chegou a director adjunto. 

Não ia mais longe, mas não era preciso, porque quem mandava na empresa era ele, sempre que dava ordens ao Senhor António, disfarçadas de conselhos e envoltas em todos os elogios de que se conseguia lembrar. Coitado!

É mais cómodo ter um Alexandre a admirar os nossos falsos sucessos, do que um Robin a relembrar-nos as nossas verdadeiras fraquezas. Mas é pior, muito pior. Porque nunca chegaremos a lugar nenhum onde o nosso Alexandre de estimação se sinta desconfortável.

 


Joao-Vieira-Cunha-colunistaJoão Vieira da Cunha é Diretor do Instituto de Investigação e Escola Doutoral da Universidade Europeia de Lisboa e professor visitante na Universidade de Ashrus, na Dinamarca. É doutorado em Gestão pela Sloan School of Management do MIT e Mestre em Comportamento Organizacional pelo ISPA. A sua investigação procura descobrir como é que as empresas podem tirar partido da desobediência dos gestores e dos colaboradores. Tem sido publicado nas principais revistas científicas internacionais na área da gestão e colabora regularmente na imprensa. A sua investigação tem ganho vários prémios internacionais de organizações, como a Academy of Management e a System Dynamics Society. Os seus clientes de consultadoria e formação de executivos incluem o Banco de Portugal, o Ministério da Saúde, a Novabase e o Barclays Bank.