Não terá a Europa Líderes à altura? – Camilo Lourenço

Não terá a Europa Líderes à altura? – Camilo Lourenço

As análises sobre o momento que a Europa vive convergem quase todas num ponto: a Europa não tem líderes à altura. Alguns analistas até vão mais longe e comparam a atual fornada de dirigentes com pesos-pesados do passado (Konrad Adenauer, Jean Monet, Helmut Schmidt, Jacques Delors, Giscard D’Estaing, etc) para acentuar o défice de liderança.

Quem tem razão? Os actuais chefes de Estado e de Governo deixam a desejar face à fornada de dirigentes que lançou as bases do que a Europa é hoje? 

Vejamos: os dirigentes do pós-guerra, que deixaram de lado divergências históricas e criaram um mercado comum tiveram uma visão extraordinária. E coragem também: para trás estavam duas guerras mundiais, em que o saldo de mortos atingiu as dezenas de milhões de pessoas. Mais: o espectro de que o pesadelo se voltasse a repetir não estava de todo afastado, mormente por causa da divisão do mundo (fruto da Guerra Fria).

Dito isto, convém não exagerar. O maior desafio da criação da Comunidade Europeia, em 1957, residia na inércia inicial dos Estados e das gentes. Por causa da desconfiança histórica… e porque nada daquilo havia sido tentado no passado. É certo que os dirigentes se foram confrontando, nas duas décadas seguintes, com (grandes) dificuldades inerentes ao aprofundamento da Comunidade. Mas eram desafios geríveis. Os grandes problemas só começaram a acontecer nos anos 70, com o fim do sistema de Bretton Woods e com a primeira crise petrolífera. Foi só aí que a Europa foi confrontada com a necessidade de passar a assumir um papel diferente no mundo desenvolvido… de par com os Estados Unidos e o Japão. 

Era preciso ter Líderes para enfrentar estes desafios? Sim. Mas isso não deve levar a desvalorizar o papel dos atuais dirigentes europeus. Porque os problemas com que a Europa se defronta hoje são muito mais complicados do que acontecia nos anos 60 e 70. Em pouco mais de 20 anos, passou de Comunidade (Económica Europeia) para União (Europeia), passou de nove Estados para 28 e, em pouco mais de uma década, criou uma União Monetária. Ou seja, o ritmo dos desafios foi-se multiplicando a uma velocidade assustadora. E a dificuldade desses desafios também. Vejam-se as transformações ocorridas na arquitetura europeia desde 2008: de uma simples união monetária, foi obrigada a dar passos largos na direção de uma verdadeira união financeira e de um governo económico comum. 

As comparações históricas são sempre ingratas. E é por isso que devemos olhar para elas com cautela. Dizer, pura e simplesmente, que a Europa está doente, porque os países-chave da União (França e Alemanha) não têm tido Líderes, é uma grave injustiça. É verdade que os últimos dois dirigentes franceses (Sarkozy e Hollande) têm ficado uns quantos furos abaixo dos seus antecessores. Mas o mesmo não se pode dizer da Alemanha. A senhora Merkel, personalidade tão contestada, tem feito um trabalho notável de integração europeia. Podemos dizer com segurança que, se não fosse ela, hoje não haveria euro (consumido pela voragem da crise financeira). Se não fosse ela (de braço dado com Schröder), a Alemanha seria hoje um país com uma economia obsoleta (à semelhança da França). E, se não fosse ela, o sul da Europa estaria hoje, claramente, numa segunda divisão europeia…

Podemos questionar a forma como os atuais Líderes têm conduzido as mudanças. E aí há muito a criticar. Mas não podemos desvalorizar o seu papel na criação de uma Europa mais integrada, fazendo comparações simplistas com Líderes do passado que, apesar de terem sido grandes dirigentes, nunca foram confrontados com os desafios que a União hoje enfrenta.

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.