A moeda digital Bitcoin é talvez a aplicação mais conhecida da tecnologia blockchain, que funciona como uma base de dados de registos de transações entre diferentes entidades e registou grande evolução, sobretudo na investigação e desenvolvimento de novas aplicações.
Nuno Franca
Do ponto de vista funcional, a blockchain pode ser vista como uma base de dados (distribuída) de registos de transações (genéricas) que foram executadas e partilhadas entre as entidades participantes no “sistema”. Cada transação é validada por consenso da maioria dos participantes e, uma vez aceite e registada, pode ser verificada mas não pode ser alterada ou apagada (seria extraordinariamente difícil e caro manipulá-la de forma a que passasse despercebido).
Este consenso, não centralizado (distribuído) possibilita que as entidades participantes no sistema saibam, com bastante (para não dizer toda a) certeza de que uma transação digital aconteceu e quando, ao criar um registo irrefutável da mesma na base de dados (blockchain) distribuída.
Da mesma forma, esta base de dados não centralizada descerra a porta a toda uma economia digital aberta e escalável, sem a necessidade de uma entidade centralizadora da mesma.
A bitcoin, moeda digital encriptada e descentralizada que permite transações peer-to-peer, é, talvez, a aplicação mais conhecida desta tecnologia. Embora possa existir alguma controvérsia sobre as moedas digitais encriptadas – nomeadamente a possibilidade de surgirem mercados globais e anónimos, não regulamentados, de valor da ordem de grandeza do milhar de milhão de dólares – a tecnologia blockchain, que suporta estas moedas, tem provado o seu sucesso.
Relativamente recente, a blockchain tem tido uma enorme evolução, sobretudo no que diz respeito à investigação e desenvolvimento de novas aplicações. Têm sido investidos muitos milhões em start ups dedicadas ao desenvolvimento da tecnologia e suas aplicações, quer na área financeira quer em setores não financeiros. A possibilidade de confidencialidade, a eliminação da necessidade de entidades centralizadoras de transações, a segurança e confiança na base de dados, assentes num modelo de consenso alargado entre os participantes na rede, são fatores decisivos que estão a contribuir para o seu desenvolvimento e adoção.
E até há quem considere a blockchain, e o seu modelo de obtenção de consenso distribuída, o mais importante desenvolvimento desde a internet (Marc Andreessen, 2014).
Algumas aplicações para a tecnologia
As vantagens da blockchain acabam por pesar mais que questões de regulamentação ou desafios técnicos que se coloquem à sua adoção. Passamos a descrever, de forma simples, algumas das utilizações/aplicações desta tecnologia que têm vindo a surgir mais recentemente e que podem dividir-se em dois grandes grupos: as aplicações do mundo financeiro e as do mundo não financeiro.
As instituições financeiras e os bancos veem a tecnologia blockchain como uma oportunidade e não uma ameaça. Há muita atividade de investigação na procura de aplicações inovadoras para a tecnologia.
As aplicações não financeiras são também inúmeras e prometedoras. Exemplos concretos? O registo e a prova de documentos legais; os registos de saúde; a propriedade intelectual e pagamentos; o notariado, entre outros.
Armazenamento de ficheiros. Soluções de armazenamento em cloud – como a Dropbox, Google Drive, iCloud ou One Drive – são cada vez mais utilizadas para guardar e partilhar ficheiros (fotografias, documentos, música, vídeo, entre outros). Apesar da sua popularidade, permanece a questão principal de confiança numa terceira entidade para guardar eventuais documentos confidenciais. A blockchain possibilita um sistema de armazenamento distribuído que permite a partilha de documentos sem a necessidade de ter de confiar numa terceira entidade. Possibilita também a otimização da utilização de recursos disponíveis (disco, largura de banda) em computadores pessoais, em troca de micro pagamentos (em bitcoin) como incentivo pela utilização dos mesmos.
Blockchains alternativas. Utilizam o algoritmo da blockchain para obter o consenso distribuído sobre um bem digital particular (asset). Aplicações possíveis são o DNS (Domain Name Server), autenticação SSL (Secure Socket Layer), armazenamento de ficheiros ou a votação eletrónica (digital).
Domain Name Server (DNS). Os atuais DNS são controlados por Governos e grandes corporações. A utilização da blockchain significa que a “lista telefónica” da internet pode passar a ser mantida numa base de dados descentralizada, mas totalmente segura, e que poderá estar disponível em cada computador, sem possibilidade de manipulação por parte de alguma autoridade.
Internet das coisas. A tecnologia blockchain facilita a implementação descentralizada da internet das coisas (Internet of Things – IoT), na qual os dispositivos podem comunicar diretamente entre si (peer-to-peer), sem necessidade de um dispositivo (entidade) hub centralizador. Neste tipo de arquitetura a blockchain serve de registo público, mantendo todas as mensagens trocadas entre dispositivos.
Música. Esta indústria sofreu uma enorme evolução com o crescimento da internet e a disponibilização de conteúdos em serviços de streaming (alguns ilegais). A blockchain permite o registo e manutenção sempre atualizada dos direitos de propriedade sobre as músicas (ou outro tipo de propriedade intelectual) numa base de dados pública. A distribuição de royalties pode ser definida em smart contracts e adicionada a bases de dados, permitindo assim a execução automática de pagamentos devidos pela utilização da propriedade intelectual.
Notariado. A verificação da autenticidade de um documento pode, agora, ser feita utilizando a blockchain e o seu modelo de consenso distribuído, em vez da necessidade da intervenção de uma autoridade central. A blockchain permite que a “prova de propriedade”, “prova de existência” e “prova de integridade” sejam verificadas por entidades terceiras independentes.
Private securities. Recorrendo à blockchain é (teoricamente) possível que uma companhia emita e venda diretamente as suas ações, permitindo a sua transação no mercado secundário, com toda a confiança.
Smart contracts. São contratos garantidos automaticamente por protocolos computacionais. A utilização da tecnologia blockchain veio facilitar o registo, verificação e execução destes smart contracts. Os casos em que o bem (asset) é transferido uma vez, e requer a intervenção de advogados para criar o contrato e bancos para fornecer a garantia, podem agora ser resolvidos recorrendo aos smart contracts.
Referências
- “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, de Satoshi Nakamoto, Out. 2008
- “Blockchain Technology: Beyond Bitcoin”, de Michael Crosby, Nachiappan, Pradhan Pattanayak, Sanjeev Verma, Vignesh Kalyanaraman, Out. 2015.
21-02-2017
Nuno Franca, product development manager na consultora LBC, tem um mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico (IST) e uma pós-graduação em Sistemas de Informação, também pelo IST.
Iniciou o percurso profissional no setor público, na carreira de investigação no antigo INETI - Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial. Após uma breve passagem pelo ISCTE como assistente, transita para o setor privado, ingressando na Chipidea Microeletrónica como diretor do departamento de Information and Design Support Systems, onde permanece uma década. Segue-se uma passagem de dois anos pela Artsoft. Em 2013 entra na LBC, para a área de tecnologia, com enfoque em BPM - Business Process Management, tendo vindo a participar nos principais projetos da consultora.