Os conflitos interiores que nos condicionam como líderes – Camilo Lourenço

Os conflitos interiores que nos condicionam como líderes – Camilo Lourenço

Há duas semanas fizemos aqui a pergunta “Você é Líder”? Era uma forma de questionar se, interiormente, estamos preparados para o desafio de comandar pessoas (a função mais difícil da Gestão) e organizações. 

As reacções de muitos leitores ao tema obriga-nos a voltar a esta matéria. Até porque um deles sugeriu que concretizássemos a promessa de publicar um teste que ajude a perceber se, enquanto gestores, estamos no grupo dos “problem solvers” ou dos “problem makers”. 

Não é tarefa fácil. As causas do falhanço na Liderança podem ter várias origens. Centremo-nos, no entanto, no problema que motivou esse artigo: os conflitos interiores. Lembra-se do “clip” retirado do filme “Crash”, que serviu de “teaser” ao artigo? Nele, uma surpreendida Sandra Bullock dá-se conta que está sempre zangada com a vida, com o mundo que a rodeia. E percebe, finalmente, que o problema não está no mundo; está nela. 

Recordemos o momento em que, ao telefone com outra pessoa, Bullock revela ter percebido o problema: “I’m always angry at them: at the Police, at Rick, at Maria, at the dry cleaner who destroyed another blouse today, at the gardener who keeps overwatering the lawn…” E prossegue: “I just thought I would wake up today and feel better. And then I realized that it had nothing to do with my car being stolen… I wake up like this every morning; I am angry all the time, and I don’t know why, Carol…!”

Esta “Revelação”, isto é, quando Bullock descobre que o problema está nela e não nos outros, é o ponto de partida desta análise. Todos temos conflitos interiores; a questão é saber se conseguimos lidar com eles, ou se deixamos que prejudiquem o nosso trabalho… por afectarem quem trabalha connosco.  

Aqui fica um conjunto de questões que nos ajudará a traçar o nosso perfil, dando pistas sobre onde devemos actuar:

  1. Faça um “timeline” da sua vida profissional. Teve mais “altos” ou “baixos”?
  2. Qual a razão dos “baixos”?
  3. É conflituoso? Tem dificuldade em resolver os conflitos em que se envolve?
  4. A quem atribui a culpa do que corre mal? Mais a si, ou a terceiros?
  5. Quantas vezes pronuncia o pronome “nós” em vez do “eu”?
  6. Das opções que tomou na última semana, quantas resultaram de decisão sua e quantas foram tomadas depois de ouvir quem o rodeia?
  7. Já alguém da sua equipa o mimoseou com adjectivos como “prepotente ou ditador”?
  8. Gosta do que faz? Sente-se realizado nas funções?
  9. Qual o seu lado mais “rico”? O de “técnico” ou o de “gestor”?
  10. Em casa, dedica tempo a preparar/planear o que vai fazer na empresa?
  11. Tem mudanças repentinas de humor sem explicação? Perde a alegria e/ou boa disposição sem interferência de outrem?
  12. Alguma vez, depois de uma discussão, perguntou “Porque perdi a cabeça se o meu interlocutor não fez nada que justificasse o ‘outburst’?”.
  13. Tem dificuldade em evitar que uma discussão menor evolua para um conflito grave?
  14. Quem está acima de si confia no seu trabalho?
  15. É frequente achar que faria melhor do que quem está ao pé de si?
  16. Tem dificuldade em aceitar que o argumento de outrem pode ser melhor do que o seu?
  17. Quer ter sempre a última palavra numa discussão?
  18. Quantas vezes admitiu um erro, e pediu desculpa por ele, no último mês?

Não lhe vou dizer qual destas perguntas é a mais importante. Pela simples razão de que todas contam para obter um retrato completo de si. 

Se descobrir que as suas qualidades técnicas são superiores às de gestor; se descobrir que os conflitos interiores (os “demónios”, como lhe chamo) condicionam o seu comportamento como decisor; se perceber que, no passado, tentou ultrapassar esses “demónios” sozinho, mas não conseguiu… tem duas opções: faça terapia (ou “coaching”), ou abandone as funções que desempenha. 

Um Líder é alguém que faz crescer quem está à sua volta; que cria condições para um dia ser substituído na função que desempenha por alguém que dirige. Líder é aquele que resolve problemas à organização; não aquele que os cria.

 


Camilo-Lourenco-colunaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.