Há três semanas falámos aqui nos gestores one-man show, a partir de um artigo do “FT” sobre Ferdinand Piëch, o chairman do grupo Volkswagen. Piëch tentara, em entrevista ao “Der Spiegel, “matar” Martin Winterkorn o seu delfim no grupo Volkswagen, responsável pela divisão Audi e apontado como futuro CEO do grupo.
Na ocasião avancei que este tipo de gestor está ultrapassado. Aliás, até soa estranho que um grupo com a dimensão da Volkwagen, que se tornou num fabricante de dimensão mundial (o segundo maior), conviva com modelos destes. A realidade quase correu à mesma velocidade da análise: na semana seguinte Piëch foi forçado a deixar o cargo…
Vira o disco: o mesmo jornal que falara da entrevista de Piëch publicaria dias depois o perfil de outro gestor europeu: Izidro Fainé (na foto), o presidente da toda poderosa La Caixa (sim, um dos accionistas de referência do BPI). Fainé é apresentado como um self-made man, que subiu a pulso na vida. Começou a trabalhar aos 13 anos, numa loja de reparação de bicicletas e ensinou os seus pais a ler. Frequentemente considerado o homem de negócios mais poderoso de Espanha, o CEO do La Caixa é tudo menos convencional: profundamente religioso e pai de 8 filhos, não frequenta os mesmos círculos que os banqueiros tradicionais. E embora recuse o cultivo do poder (“Power is not a concern for me”, confidenciou ao “FT”), a prática parece desmenti-lo: embora o banco tenha excelentes gestores, ninguém consegue apontar qualquer um desses executivos como herdeiro (ainda que aparente) de Fainé. E a prática parece confirmar isso: não se conhecem grandes divergências de opinião na cúpula do banco e da Fundação que o controla. E quando essas divergências existem, são rapidamente resolvidas. A última, personalizada por Juan Maria Nín, anterior CEO, acabou com a discreta saída do gestor.
A falta de contestação a Fainé parece ter dois fundamentos. O primeiro é que tem acertado na estratégia. O La Caixa evitou cometer os erros de outros bancos espanhóis e saiu, tal como o Santander e o BBVA, mais forte da crise financeira. E o banco tornou-se numa das maiores instituições financeiras em Espanha. Se considerarmos só o negócio dentro das fronteiras espanholas, o La Caixa supera mesmo o Santander e o BBVA…
A segunda razão para tanto unanimismo radica no poder da Fundação que controla o banco. Esse controlo é tão grande, e tão efetivo, que dificilmente outros acionistas conseguem alterar o balanço de poder na instituição.
Pergunta: o facto de Fainé ter acertado na estratégia que permitiu ao La Caixa tornar-se no maior banco espanhol chega para fundamentar a actuação-pulso-de-ferro-com-que-dirige-o-banco? Não. E a razão é muito simples: assim como tem acertado, Fainé pode começar a falhar. Seja por que razão for: porque a economia muda, porque pode perder faculdades, porque as suas motivações podem mudar… Em Portugal já conhecemos situações destas. E em pelo menos uma duas, isso custou a falência de um banco com 150 anos.
É expectável que suceda no La Caixa algo parecido com o que aconteceu no grupo Vokswagen? Não. O capital da VW está muito disperso, apesar da posição de controlo (20%) detida pelo estado da Baixa Saxónia. E isso permite aos restantes acionistas terem uma palavra a dizer no futuro do grupo. No caso do La Caixa isso não sucede: as regras de governance são outras, o que permite à Fundação decidir quem manda na Gestão.
Talvez o Banco de España e o BCE devam olhar para esta situação com outros olhos. Se o La Caixa der um trambolhão, não é apenas o sistema financeiro espanhol que sofre com isso. É toda a zona Euro. Só isto devia bastar para acabar com o poder de apenas um homem. Tal como aconteceu na Volkswagen.
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.