Se não se cria riqueza, não há nada para distribuir – Camilo Lourenço

Se não se cria riqueza, não há nada para distribuir – Camilo Lourenço

A crise que a Europa viveu nos últimos cinco anos deixou marcas. E em alguns países, como Portugal, essa marca foi mais acentuada. Uma das áreas em que esta mais se fez sentir foi nas remunerações: quase todos os níveis das empresas foram afetados por cortes (ou ausência de aumentos) de salários. Estamos a falar de cortes nas remunerações fixas e variáveis.

Com o regresso à normalidade, a ambição de regressar aos níveis anteriores de rendimentos voltou. Há dias o executivo de uma empresa, habitual leitor do Portal da Liderança, dava conta de uma crescente agitação entre os seus quadros que começam a reivindicar a reposição dos níveis de remuneração anteriores à crise. E pedia sugestões sobre a forma de abordar o problema. 

Em primeiro lugar é preciso não dramatizar o problema: a ambição de regressar aos salários pré-crise é natural. Mas é preciso saber uma coisa: é exequível? E, se for (isto é, se a empresa puder suportar), como atuar?

A remuneração é um dos aspetos fundamentais na motivação do capital intelectual. Não é o único, mas tem um grande peso. É por isso que as empresas não se podem descuidar ao tratar este assunto.

Portugal tem um défice grave na forma como trata este problema: as empresas têm um excesso de remuneração fixa e um défice de remuneração variável. O que, por sua vez, esconde outro problema: má avaliação das pessoas. E nesse aspeto a crise que vivemos pode ser benéfica para as empresas. Ou seja, as empresas podem aproveitar a “revolução” provocada pela crise para refundar o sistema de remuneração. Colocando o acento tónico na remuneração variável. A ideia é simples: quem produz mais, e melhor, deve ganhar mais do que alguém cuja performance é inferior à sua. E podem fazer esta “revolução” aproveitando uma das heranças deixadas pela crise: a ideia da produtividade. 

Sei que o chavão “produtividade” tem sido usado até à exaustão. E que está muito estafado: muita gente o usa, mesmo sem saber o que significa. Mas é um conceito fundamental: a nossa riqueza está intimamente ligada à questão da produtividade. Se não formos mais produtivos, não podemos ter melhores salários (esse foi um dos problemas que atirou Portugal para a pré-bancarrota em 2011). Ora nada melhor do que basear o sistema de remuneração de uma empresa diretamente ao valor que esta cria. E é nesse sentido que empresários e gestores devem colocar o acento tónico: recriar o sistema de remuneração, ligando-o diretamente à prestação de cada funcionário. 

Há muitas empresas que já o fazem? Sim, mas nem todas o fazem bem. Não é que não acreditem na solução; têm é maus sistemas de avaliação. E esta é a segunda parte do problema: não vale a pena dizer aos quadros da sua empresa que a remuneração variável vai depender da avaliação à sua performance, se não existir um mecanismo credível para os avaliar. Pior do que a desmotivação criada pela ausência de atualizações salariais, é um sistema que distribui mal a riqueza criada porque se avaliou mal a performance dos funcionários. 

Quem dirige empresas sabe a dificuldade que enfrentou nos últimos cinco anos para lutar contra a crise. Mas não se pode esquecer de que as crises são sempre uma oportunidade para repensar a forma como trabalhamos. E se há área que precisa de ser repensada é precisamente o sistema de remuneração de quem trabalha. É difícil explicar isto aos funcionários? Claro. Mas experimente começar pela questão mais básica: se não se cria riqueza, não há nada para distribuir.

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.