A legitimidade das etapas de liderança – Nuno Madeira Rodrigues

A legitimidade das etapas de liderança – Nuno Madeira Rodrigues
6 minutos de leitura

Comummente, diz-se que um líder é um produto sempre em evolução, mas que resulta de um longo trabalho de criação, de apuramento e aquisição de experiência e de desenvolvimento de capacidades.

É tradicional pensarmos que a criação de líderes passa por todo um processo embrionário de preparação, em que alguém ascende a uma posição de liderança apenas após um longo conhecimento da realidade organizacional em que se integra, e de ter demonstrado a sua capacidade de dirigir equipas e motivar colaboradores.

A própria sociedade é construída desta forma. Incute em nós a ideia de que a liderança implica um longo e árduo caminho de constante provação até à chegada a esse patamar, no qual a nossa opinião e capacidade de decisão orienta os outros, em que nos é reconhecido o mérito para liderar. 

Com efeito, são vários os exemplos que temos no nosso dia-a-dia desta realidade. Veja-se a questão do exército onde toda a ascensão hierárquica é pré-definida desde o jovem mancebo até ao general, aumentando gradualmente as responsabilidades e o número de liderados em função do desenvolvimento das capacidades do futuro líder. 

O mesmo se passa nas empresas, onde se espera que os “jovens leões” cresçam de forma temporizada, moldando as suas personalidades, embutindo os mesmos das filosofias e valores próprios da organização em que se integram. 

Talvez até nem seja incorreto chegar ao extremo de considerar que, mesmo a nível político, esta é uma realidade presente, especialmente se considerarmos a tradicional limitação que existe em termos de idade para que alguém se possa candidatar a cargos elevados dentro do Estado.

Estará correta esta forma de pensar? 

É legítimo dizer que um líder deve passar por um processo de aprendizagem até assumir a sua posição final? 

Julgo que sim, mas, e porque deve haver sempre um mas em qualquer líder inconformado, não sem olhar para outros fatores que podem baralhar esta lógica, porquanto é possivelmente redutora. Senão vejamos.

Aceitar uma ideia pré-concebida como esta é, de alguma forma, aceitar que o mérito e o talento crescem com a pessoa ao longo do tempo, que é construído e desenvolvido. Certo, ou não. 

Como responder então às aspirações de jovens talentos, capazes, preparados para desafios maiores do que aqueles que lhes pretendem destinar? 

Como incutir numa organização uma cultura de meritocracia e depois promover o avanço na carreira apenas com base na experiência e longevidade na instituição, independentemente da capacidade efetiva para liderar? 

Esse é um dos flagelos na gestão de recursos humanos a que qualquer líder atual deve estar atento, sob pena de poder vir a perder os seus melhores quadros. É óbvio que nem todos podem ser líderes e, muitas vezes, as aspirações conflituantes poderão determinar escolhas que levam à partida de alguns, mas isso chama-se gestão de expetativas. É preciso saber conduzir qualquer processo desta natureza de forma inteligente, manobrando as peças no tabuleiro de xadrez em função da estratégia que melhor serve a empresa a curto, médio e longo prazo.

Serve isto para dizer que a liderança pode “queimar” etapas? Depende. Há casos em que é reconhecido que um líder é efetivamente um somatório de talento e aprendizagem, colmatado com a experiência e sagacidade do conhecimento organizacional. Há outros, porém, em que os líderes se revelam rapidamente e, por talento ou por acaso, tomam o seu lugar de forma eventualmente precoce, mas acabam por demonstrar a competência necessária. 

Não há verdadeiramente uma fórmula correta ou salomónica de resolver a questão. Mais vale assumir que um líder irá revelar-se quando for caso disso e ganhar a sua autoridade de uma forma ou de outra.

E para aqueles “velhos do Restelo” que não concordam com a emancipação precoce dos jovens líderes, pensem nos exemplos de John F. Kennedy, que assumiu a Presidência dos Estados Unidos aos 43 anos; de Bill Gates que iniciou a maior fortuna mundial com a criação da Microsoft aos 19 anos; de Mark Zuckerberg que conetou todo o Mundo através do Facebook aos 20 anos; ou, para os mais “evangélicos” da doutrina do instituído, o caso de Napoleão Bonaparte que assumiu a liderança em França aos 30 anos e iniciou uma série de reformas que têm eco ainda nos dias de hoje. Talvez aí percebam que há um lugar ao sol para os jovens e que, quanto mais insistirem no dogma das etapas da liderança, mais estas gerações conquistarão o seu espaço, de uma forma ou de outra...

 
 

 

Nuno-Madeira-Rodrigues-HBD-Colunista-artigosNuno Madeira Rodrigues é CEO do HBD Group desde 2011, fundado pelo multimilionário sul-africano Mark Shuttleworth, lidera o Omali Lodge em São Tomé, o Bom Bom Resort e a Sundy no Príncipe. Presidente da Direção da Associação Empresarial de São Tomé e Príncipe, é Vice-Presidente do Conselho Fiscal da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, Presidente do Conselho Fiscal da Associação Lusófona de Energias Renováveis e Membro do Conselho Consultivo da Plataforma Sustentar. Foi advogado sénior da Cuatrecasas em Portugal e Espanha, advogado da Miranda Law Firm em Portugal, Moçambique e Angola, gestor do Grupo Vasco da Gama em Portugal e no Reino Unido para a Europa e África e consultor legal da Deloitte. Licenciado em Direito na Universidade Católica Portuguesa, tem um LLM na Universidade Católica Portuguesa e é Pós-Graduado em Direito Comercial na Universidade Católica Portuguesa. Especializado em Fiscalidade pelo INDEG/ISCTE, é orador em conferências e eventos diversos.