Há 46 anos... falhou a liderança! - Camilo Lourenço

Há 46 anos... falhou a liderança! - Camilo Lourenço

Setembro de 1968. Com Salazar em coma, Marcello Caetano é chamado a substitui-lo à frente do governo. Marcello começou bem. Cedo deu sinais de mudança: esboçou pequenos gestos que mostravam pretender abrir o regime, passou a olhar para as ex-colónias com um olhar diferente, criou o 13º mês, deu aos trabalhadores rurais, que nunca tinham descontado, a possibilidade de terem reforma e até passou a comunicar regularmente com o país, num programa sugestivamente intitulado “Conversas em família”. 

Salazar morreria no ano seguinte à sua nomeação. E aí começou a parte mais dura do teste a Caetano: o confronto com a ala mais dura do regime, que recusava a abertura política. Pólo principal dessa oposição: Américo Thomaz, o contra-almirante que Salazar tinha colocado na Presidência.

Era o momento certo para o novo Presidente do Conselho mostrar ao país e ao mundo o quão determinado estava em mudar Portugal. O que podia ter feito? Ou afastava Américo Thomaz, ou avançava ele próprio para as presidenciais seguintes. Para encontrar legitimidade eleitoral para mudar o regime por dentro. O país estava tão cansado da Ditadura que, seguramente, ter-lhe-ia dado o voto e a legitimidade para afastar Thomaz. Caetano teria feito, muito provavelmente, aquilo que Adolfo Suárez faria dez anos mais tarde em Espanha (salvaguardadas as devidas diferenças).

Mas Marcello, numa decisão que marcaria para sempre o consulado, recuou… para segurar o seu lugar na Presidência do Conselho. E com isso perdeu o país: a hostilidade de que foi alvo por parte de vários sectores (sociais e políticos) do país, a partir daí deu cabo do seu futuro político. Para uns, os defensores de regime, ficou com o rótulo de demasiado brando; para outros, os progressistas, ficou conhecido como alguém que hesitava nos momentos decisivos.

À distância de 46 anos que balanço podemos fazer daquele que seria o momento mais decisivo da história da Ditadura? Faltou liderança. Marcello era um homem extraordinariamente bem preparado: pessoa de grande envergadura intelectual, professor universitário reconhecido, político ponderado e com a noção do “tempo” que o país vivia. Mas faltavam-lhe duas coisas: a coragem para fazer rupturas e a vontade de arriscar. Aquelas qualidades que, quando juntas, distinguem um político situacionista… dos reformadores.

Conclusão: a falta de liderança de Marcello Caetano dificultou o encontro de Portugal com a sua História. O regime arrastou-se durante mais seis anos e a Revolução que lhe pôs termo deu cabo da estrutura económica e empresarial do país (para não falar de uma descolonização muito mal sucedida). Um mal que, 40 anos depois, ainda estamos a pagar. Por causa de um défice de liderança!

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.