Líder “improvável” vs. Líder “natural” - Camilo Lourenço

Líder “improvável” vs. Líder “natural” - Camilo Lourenço

É uma daquelas questões tradicionais quando se analisa a problemática da Liderança: a Liderança afirma-se de per si ou vai-se construindo?

Por outras palavras, um Líder “topa-se” à distância… na forma como age… como pensa… como comunica? Ou pode ser alguém por quem não se dá nada, mas que de repente se afirma como o farol de uma organização ou de um país?

A experiência mostra que há inúmeros casos que se reconduzem à segunda hipótese. Vejamos três bons exemplos da União Europeia nos anos 80. 

Na década de 80, a União (então Comunidade Económica Europeia) teve três líderes que se destacaram: Margaret Thatcher, François Mitterrand e Helmut Kohl.

Dos três, Margaret Thatcher afirmava-se “naturalmente”: tinha postura, falava bem, transpirava convicção e mostrava-se capaz de tirar a Inglaterra de um declínio de décadas. Mais: ganhara uma guerra (com a Argentina) por causa de um território minúsculo, situado a milhares de quilómetros. Ou seja, mostrava que tinha convicções.

Ao pé dela, Mitterrand e Kohl pareciam dois anões. Mas, no final dessa década, percebeu-se que quem iria ficar na História da Europa não seria Thatcher, mas sim Mitterrand e Kohl (este mais do que o primeiro, como veremos num dos próximos artigos). Porquê? Porque, apesar das suas extraordinárias capacidades, Thatcher queria ser “rainha” do seu quintal: a Inglaterra. Mitterrand e Kohl, embora menos exuberantes (Mitterrand perdeu muitas vezes batalhas nos conselhos europeus, quando se batia com Thatcher…), apostaram alto: queriam liderar um continente.

Thatcher deixou, sem dúvida, uma marca profunda. Não só na Europa, mas no mundo: combateu (com o seu parceiro, do outro lado do “lago”, Ronald Reagan) o império soviético e viveu para ver a vitória; iniciou um ambicioso programa de privatizações que foi copiado em todo o mundo (Portugal incluído); defendeu o primado do indivíduo sobre o Estado e deu cabo do excessivo peso que os sindicatos tinham na economia inglesa. Mas cometeu um erro: deixou-se acorrentar a um doentio nacionalismo inglês. E lutou ardentemente contra o aprofundamento da ideia de União Europeia (era, por exemplo, ferozmente contra o projecto da Moeda Única). 

Mitterrand e Kohl sabiam que não tinham a “aura” de Thatcher. Mas sabiam que o futuro era… a Europa: a construção de um modelo único (não se conhece nenhuma estrutura com as características da União Europeia: um meio termo entre um Estado federal e uma comunidade económica) que afastasse o risco de novas guerras no continente.

No final, triunfaram os líderes “improváveis”, duas pessoas que não tinham o verbo fácil, que não faziam virar cabeças quando entravam numa sala e que não empolgavam ninguém. Duas personalidades que, à partida, pareciam ser figuras com mera dimensão nacional, mas que acabaram por marcar o futuro de um continente. No fundo, foi o triunfo da “liderança improvável” sobre a “liderança natural”.

 


Camilo-Lourenco-CronicasCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Entre a sua experiência profissional encontramos redator principal do “Semanário Económico” (desde 1988); coordenador da secção Nacional do “Diário Económico” (de que foi um dos fundadores) desde 1990. Diretor adjunto da revista “Valor”, que ajudou a fundar (1992). Diretor da mesma revista (1993), onde se manteve até 1995. Editor de Economia da Rádio Comercial, de 1992 a 1997. Diretor editorial das revistas masculinas da Editora Abril/Controjornal: “Exame” (revista que também dirigiu); “Executive Digest”, entre outras. Comentador de assuntos económicos da Rádio Capital, de 2000 a 2005. Diretor da revista “Maisvalia” (de 2003 a 2005). Comentador da RTP e RTP Informação, onde passou também a apresentar o programa “A Cor do Dinheiro” (desde 2007). Colunista do “Jornal de Negócios (desde 2007); comentador de assuntos económicos da Media Capital Rádios (desde 2010). Numa das rádios do grupo, a M80, apresenta dois programas: “Moneybox” e “A Cor do Dinheiro”. Comentador de assuntos económicos da televisão generalista TVI, onde apresenta “Contas na TV”. A par destas funções, Camilo Lourenço é docente universitário. Lecionou na Universidade de Lisboa, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Por outro lado leciona pós-graduações e MBA. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.