Quer inovar? Contrate alguém de fora – Camilo Lourenço

Quer inovar? Contrate alguém de fora – Camilo Lourenço

Quem lê esta coluna desde o seu início deve ter reparado que ela se centra em duas realidades distintas: liderança dentro das organizações e liderança de mercado. Hoje voltamos ao segundo tema, para perceber porque a posição de mercado de um “incumbente” não é garantia de sucesso no futuro.

Nunca se questionou, por exemplo, como é que uma empresa vinda do nada consegue tornar-se num gigante da tecnologia e do “listed advertising”, ao ponto de fazer a vida negra à média tradicional? Falamos, como é óbvio, da Google…

E nunca se questionou como é que empresas que não existiam há cinco anos, se tornaram “players” importantes no setor do transporte e do arrendamento? No primeiro caso temos a Über, no segundo ocupa lugar de destaque a Air BnB. E que dizer da Tesla, que promete revolucionar o setor automóvel e o do armazenamento de energia?

O que une estas empresas no seu percurso de sucesso (a Tesla está numa situação especial – não é seguro que o seu projeto trunfe na indústria automóvel)? Uma única coisa: não eram do setor onde atuam. Isto é, não eram incumbentes nem o seu modelo de negócio se baseava nos setores onde decidiram entrar.

O caso da Tesla é paradigmático: o seu fundador, Elon Musk, é um homem da Ciência, sem qualquer relação com a produção e comercialização de carros. Mas um dia sonhou que a eletricidade poderia substituir a queima de combustíveis fósseis como força motriz do setor dos transportes (os transportes, recorde-se, são responsáveis pela queima de 1/3 do petróleo consumido no mundo). Até à sua entrada no mercado nenhum dos tradicionais fabricantes de automóveis tinha levado a sério a aposta na utilização de eletricidade a partir de baterias como força motriz. É verdade que havia “players”como a Toyota, que há mais de dez anos inventaram os híbridos. E é verdade que outras marcas, como a Nissan, já tinham modelos equipados apenas com baterias. Mas eram produtos de nicho, que nunca chegariam a deter uma quota de mercado significativa porque as baterias tinham autonomia reduzida. A Tesla foi a primeira empresa a assumir que queria fazer uma revolução. Revolução essa que passava por avanços tecnológicos na conceção e na produção de baterias com larga autonomia. 

Mas deixemos o campo tecnológico para regressar à Gestão. Por vezes a “disrupção” tem de vir de agentes situados fora dos setores tradicionais. O que em si é um paradoxo: os incumbentes é que têm o “warchest” necessário ao investimento na Inovação. Sendo assim, por que não se assumem como o agente disruptivo dentro do próprio setor? A resposta é simples: têm medo de dar cabo do seu modelo de negócio. É um erro? É. Akio Morita, fundador da Sony, dizia muitas vezes que não tinha receio da “canibalização” interna (feita por uma empresa do grupo). Porque era melhor ser canibalizado dentro do grupo do que por empresas concorrentes. 

O ensinamento de Morita, embora óbvio, não é comummente seguido. Se você, caro leitor, tiver alguns anos de experiência empresarial, sabe perfeitamente que as organizações sofrem frequentemente do síndroma “NIH”: Not Invented Here. Qualquer ideia nova, desde que ponha em causa o modelo de negócio tradicional, é liminarmente rejeitada. 

Como dar a volta ao problema? Se a sua empresa precisa de se reinventar, confie essa tarefa a alguém que vem de fora. Preferencialmente de um setor que não tem nada a ver com o seu. Lou Gerstner, contratado nos anos 90 para dar a volta à IBM, era “vendedor” de biscoitos…

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.