Camilo Lourenço
A minha tentação era escrever sobre o afastamento de José Mourinho da liderança do Chelsea e analisar este facto à luz da gestão. Mas no último artigo prometi voltar a falar da sucessão nas empresas familiares. Porque o assunto não tinha ficado completamente escalpelizado… Vou cumprir a promessa, deixando para a próxima semana a análise do último episódio da saga Mourinho.
O último artigo citava um estudo de Peter Jaskiewicz, professor de empreendedorismo na John Molson School of Business, e de James G. Combs, docente na University of Central Florida, sobre a sucessão nas empresas familiares. O documento fazia referência a cinco condições que, uma vez cumpridas, garantem uma sucessão eficaz nas referidas empresas. Daqueles cinco pontos, como se recorda, destaquei dois: a experiência no exterior e a entrega da empresa a apenas um dos membros da família.
A experiência no exterior é, indiscutivelmente, o aspeto mais importante. Porque ajuda a ultrapassar um problema crónico da economia portuguesa: o complexo de autarcia. O leitor questionará esta afirmação recordando a entrada de Portugal para a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre), nos anos de 1960, decisão que permitiu um crescimento espetacular da economia naquela década. É verdade. Mas tratou-se de uma exceção num país que se encontrava fechado há décadas. Por outro lado (questão não menos importante), a adesão à EFTA abriu apenas o setor industrial português. Tudo o resto permaneceu fechado. Finalmente, há que atentar noutro pormaior: apesar da entrada na EFTA, Portugal manteve uma política de condicionamento industrial, que afetava gravemente o fomento da concorrência. Ou seja, a economia portuguesa (com destaque para empresários e gestores) tem um “défice de mundo”. E esse défice vai levar décadas a ultrapassar. Como me dizia um empresário holandês quando eu preparava o livro “Fartos de Ser Pobres”, “nós temos as fronteiras abertas ao exterior desde o séc. XVII. Vocês fecharam-se a partir do final desse século”. Embora haja alguma imprecisão histórica nas suas palavras, o sentido geral da análise está correto: Portugal fechou-se ao exterior e isso contribuiu para o definhamento da nossa cultura empresarial. Essa limitação está, paulatinamente, a ser ultrapassada. Muito por efeito da explosão de escolas de gestão de qualidade em Portugal. Mas temos de a acelerar. E, para o conseguirmos, nada melhor que mandar para o exterior os nossos quadros mais jovens; os que vão saindo das faculdades e as gerações mais novas das famílias que controlam pequenas empresas.
Como me dizia o referido empresário holandês, quando os mais novos da família começam a interessar-se pelo negócio, é costume os mais velhos dizerem: “olha lá para fora, rapaz. Nós só temos 15 milhões de consumidores; não dá para nada. O verdadeiro mercado está lá fora”.
O segundo ponto que destaquei no estudo, o da entrega da empresa a apenas um membro da família, é muito interessante. Mas tem um problema legal: é preciso derrogar parte das leis que regem a sucessão em Portugal para poder ser implementada.
Mas o que significa privilegiar apenas um membro da família? A ideia principal é evitar a fragmentação acionista e os potenciais conflitos que ela encerra. Isso significa que os restantes herdeiros podem ser prejudicados? Não. A mesma lei que permite privilegiar um herdeiro tem de especificar que os restantes têm de ser compensados pela “perda” de património. Mais: privilegiar um membro da família não significa afastar os restantes da empresa. Eles podem ocupar certos cargos, ainda que não sejam executivos.
Como referimos no artigo anterior, o tema das empresas familiares é muito caro a Portugal. A esmagadora maioria das empresas que temos cai nesta categoria. Podemos escolher não mexer no assunto, por mera comodidade. Mas dada a importância que elas têm para o país, talvez não fosse má ideia criar as condições para que possam florescer.
18-12-2015
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. “Fartos de Ser Pobres” é o seu livro mais recente, onde volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.