Vivó-empreendedorismo? Not really - Rute Sousa Vasco

Vivó-empreendedorismo? Not really - Rute Sousa Vasco
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Nos últimos quatro anos, tenho vivido rodeada de pessoas que empreendem. De 2012 para cá, esse circuito de pessoas tornou-se ainda mais preenchido devido ao The Next Big Idea, um projecto de que sou uma das promotoras e que procura activamente novas ideias de negócio, de investigação, de intervenção social. E não tenho qualquer dúvida de que em Portugal temos pessoas talentosas, lutadoras e com uma vontade de ferro.

À medida que o tempo foi passando, e à medida que fui conhecendo não apenas projectos, mas as pessoas que os fazem, fui ficando progressivamente mais enjoada com a palavra empreendedorismo. Primeiro foi um enjoo em privado, confessado aos mais próximos, hoje é um enjoo assumido publicamente. E, neste percurso, descobri também, que é um enjoo partilhado sobretudo… pelos verdadeiros empreendedores.

Dando um pouco de contexto.

Em Portugal temos hoje três situações ‘clássicas’ de empreendedorismo: temos o empreendedorismo de base universitária protagonizado por alunos das áreas tecnológicas-científicas, temos o empreendedorismo de base universitária protagonizado por todos os outros que – por moto próprio ou empurrados pelas próprias universidades – se apressam a criar projectos que acautelem uma possível e provável situação de desemprego pós-universidade, e temos o empreendedorismo de desempregados que, à falta de alternativa, procuram criar o seu próprio emprego.

Se olharmos ainda mais em detalhe para cada uma destas situações, vamos perceber que no primeiro grupo estão, em regra, os mais bem-sucedidos. É aqui que encontramos as histórias que fazem de nós um país renovado de empreendedores, aquelas que nós, os media, gostamos, de milhões de investimento e empresas de nome estrangeiro a renderem-se ao talento nacional. 

Tudo válido. 

A questão é outra. Na maior parte dos casos, a moldura  destes projectos de inovação tecnológica powered by mestrandos, doutorandos e investigadores portugueses não é assim tão diferente de arranjar um emprego. Ou um patrão, se se quiser. A prioridade para estes projectos é encontrar um financiador – capitalista de risco, banco, fundo de investimento, os três em simultâneo – que garanta três ou cinco anos de ordenados e contas pagas e … depois logo se vê. No ‘depois’ que já se consegue ver – e ainda são poucos esses exemplos – há uma minoria que, efectivamente, se tornou empresário. Muitos ganharam um emprego, pago como merecem pelas suas qualificações e capacidade de criar algo novo, mas um emprego. O seu risco – termo que é indissociável de quem realmente empreende – foi diminuto. Como diz um amigo – e empresário, e empreendedor, há muito tempo nestas lides, - é sempre mais fácil empreender com o dinheiro dos outros.

O interessante neste processo é a mudança de players. O Portugal que sucumbiu à austeridade e à crise dos bancos, é hoje um Portugal diferente. No tempo da fartura, alguém com uma boa ideia de negócio – e sim, eram menos os que faziam disso uma prioridade, precisamente porque havia emprego – ia ao banco e negociava um crédito. Hoje alguém com uma boa ideia de negócio treina-se intensivamente para três coisas: pitchs convincentes, networking e business plans irresistíveis.

Tudo válido também: acrescentámos competências que antes eram inexistentes ou não valorizadas e estamos a conseguir entrar em novos territórios. 

Mas estamos muito mais a criar emprego do que a empreender – e continua tudo certo.

Olhando para os outros dois grupos, o dos jovens que não dominam áreas tecnológicas e científicas de ponta e os desempregados (às vezes o grupo funde-se num só), a conversa é outra.

Posso dizer sem hesitar, que encontrei já neste grupo algumas das pessoas mais talentosas dessa enorme multidão de empreendedores. Pessoas com qualidades únicas, criativas, determinadas, trabalhadoras. Algumas delas – felizmente – encontraram projectos que realmente as vão poder levar ao espaço de liberdade que ambicionam. Sem financiamentos, investindo e/ou o seu tempo e o seu dinheiro, caminhando aquele caminho duro de quem tem de angariar clientes ao mesmo tempo que tem de garantir condições de produção e pagar salários. O caminho da corda bamba, em que cada dia é um desafio e em que ao fim de cada mês se olha para a linha de baixo do balanço à espera de sair do vermelho.

É aqui que encontro muito do ‘suor’ empreendedor. Nas empresas e projectos em que o retorno futuro é medido pelos clientes que se ganham e pela capacidade de realmente ganhar dinheiro com esses clientes, tudo é mais difícil. Não há ‘anjos’ a dar suporte.  Faltam, muitas vezes, pessoas qualificadas em áreas-chave. Em Portugal é difícil encontrar sócios disponíveis para entrar não com dinheiro mas com tempo de trabalho em troca de uma quota futura. É por isso tão comum encontrar projectos, ainda em fase de arranque, que não descolam, porque não conseguiram um engenheiro para fazer desenvolvimento ou um gestor para definir o plano de negócios ou um designer para criar um interface ou um especialista em comunicação para divulgar. 

Durante os primeiros anos em que trabalhei, projectei o meu futuro como alguém que seria sempre uma trabalhadora por conta de outrém. Filha e neta de trabalhadores por conta de outrém e tendo entrado no mercado de trabalho na era do quase-pleno emprego, gloriosos anos 90, não sentia qualquer necessidade de ir por outros caminhos. A primeira vez que tive esse apelo, ainda nos gloriosos anos 90, foi quando, em conjunto com uma amiga, me apaixonei por uma ideia. Foi essa ideia que nos fez antecipar um futuro decidido por nós, sem ter de convencer chefes e patrões. Foi também a primeira vez que me meti num avião para conhecer potenciais parceiros fora de Portugal e a primeira vez que procurei clientes. A aventura terminou com uma proposta de uma grande empresa portuguesa que nos convidou, basicamente, para nos tornarmos seus empregados. Estávamos em 2000 e isto foi um anti-clímax e não uma vitória, por muito estranho que possa parecer.

De então para cá, muito mudou, mas não mudou o essencial. Aquilo que define um verdadeiro empreendedor é uma enorme vontade de ser dono do seu destino, de remar o seu próprio barco, e uma enorme paixão por algo que faz ou que se imagina a fazer. Acaba aqui a parte boa, romântica, literária. Tudo o resto, são dificuldades, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa.

Por isso, estou convencida que o discurso ‘vivó-empreendedorismo’ pouco faz por aquilo que os empreendedores realmente precisam. É que apoiar o empreendedor traduz-se também em coisas simples, ao alcance de todos. Listo algumas: ser mais fácil e mais rápido agendar uma reunião (em Portugal esperar meses por uma reunião é normal, o mesmo para ter feedback de reuniões), conseguir ter a disponibilidade efectiva de parceiros, clientes, fornecedores para avaliar propostas e trabalhar em conjunto, pagar a horas para quem paga, trabalhar o extra-mile para quem trabalha e percebermos todos que não vamos ganhar medalhas por causa disso, mas vamos ganhar futuro.

Ah, e já agora, podemos também deixar de ‘queimar’ o termo e de apelidar toda e qualquer coisa  que mexe de empreendedorismo e de empreendedores. Também ajudava.

 


Rute-Vasco-sapo-colunistaRute Sousa Vasco é jornalista, diretora editorial do Portal SAPO e partner da Videonomics. Como autora, tem desenvolvido vários trabalhos nas áreas de gestão, comunicação e responsabilidade social, tendo publicado até ao momento o livro “A Sorte dá Muito Trabalho: O percurso de 23 CEO portugueses”. Na vertente multimédia, tem-se dedicado à produção de conteúdos em temas de empreendedorismo, liderança e criatividade. Frequentou o curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e tem uma Pós-Graduação em Marketing pela Universidade Católica Portuguesa e uma Pós-Graduação em Televisão e Cinema pela mesma universidade.