Alguns de nós de certeza já ouviram o relato. Aquele Amigo que trabalha naquela empresa espectacular em que dizer "trabalho" mais parece um insulto.
Tem piscina ou paga ginásio, tem maçãs, de certeza que tem muitas maçãs - 'an apple a day keeps the doctor away' - ou tem contrato com um catering estupendo de sushi à sexta-feira, assim em modo de almofadar o fim de semana. Ou então tem happy hour, com cerveja ou com sumos detox. Tem um bar, um restaurante, inúmeras corners no escritório com comidinha saudável que alimenta o corpo e o espírito. Há mais. Aquela empresa espectacular em que o nosso amigo trabalha, que 'obriga' os colaboradores a fazerem retiros para se encontrarem consigo mesmos e para, no dia seguinte, serem melhores para a organização. Tem viagens de formação ou de estratégia ou de mérito aos locais mais extraordinários do globo. E tem um psicólogo, um mentor, um ioga planner, uma ama, um life organizer coach, um personal trainer, um professor de línguas. Tem tudo.
Esta empresa existe? Assim, com isto tudo-tudo, talvez não, até porque boa parte do que aqui está, saiu de filmes vistos pela autora em época de férias.
Mas elas existem. As empresas espectaculares que mimam os seus colaboradores, como nem a nossa mãe nos mimava quando tínhamos um ano de idade. No nosso imaginário, são quase todas americanas e quase todas do sector tecnológico. E, na realidade, também. É o efeito Google-Facebook (há melhor filme institucional do que 'The Internship' – Os estagiários?).
O tema é, porém, outro. Mimar os trabalhadores até à insanidade rende ou não? É um acto de generosidade e de partilha de riqueza ou uma forma de agrilhoar os profissionais mais qualificados a quase 20 horas no local de trabalho?
O site The Atlantic publicou recentemente uma análise interessante, num artigo intitulado 'Happy workers, richer companies?". Suportado na investigação académica realizada em escolas de gestão, como a Wharton e a Warwick Business School, o artigo revela que o investimento realizado no bem-estar e satisfação dos colaboradores resulta de forma diferente, consoante a cultura do mercado em que as empresas estão instaladas. Em mercados laborais mais flexíveis, como o americano ou o inglês, os dados corroboram a tese de que os mimos rendem lucros. A lista das 100 melhores empresas para trabalhar nos Estados Unidos é também a lista das empresas que mais crescem no mercado, numa análise consistente realizada desde 1984. Em mercados mais rígidos, como o alemão, o incentivo das massagens, do catering saudável e da lavandaria no local de trabalho é muito menos eficaz, para não dizer que não é eficaz de todo.
A explicação encontrada pelos académicos é simples: se os benefícios mais interessantes (como o de não poder ser despedido no dia seguinte) estão assegurados por lei, não há razão para o trabalhador 'correr' mais por ser bem tratado; o mesmo raciocínio vale para a empresa empregadora. Em mercados mais liberais - leia-se onde o emprego é tudo menos garantido - ter um emprego e ainda um local de trabalho divertido, estimulante e com benefícios especiais é visto como uma espécie de 'extra bonus', a que corresponde também 'trabalho extra'.
Esta é uma visão possível do tema. Nas empresas tecnológicas, e sobretudo nas áreas mais de ponta, creio que o campeonato é outro. Aí disputa-se talento, talento cada vez mais jovem e imaturo, e, tal como alguns pais estragam os filhos com mimos, para muitos empregadores - eles próprios pouco mais velhos do que os seus empregados - dar muitas 'prendas' é a forma de manter a 'família' feliz. E, tal como acontece em algumas famílias, muitas vezes as crianças demasiado mimadas nunca crescem. Esse é o risco, nomeadamente em negócios onde o potencial é imenso, mas a realidade de tesouraria está longe de fazer justiça ao potencial (80-90% das grandes promessas tecnológicas?).
Mais vale rico e com saúde do que pobre e doente. É um provérbio de eleição de um amigo e que aqui assenta que nem uma luva. Todos preferimos o mais fácil ao mais difícil e todos gostamos de ser bem tratados. Como não acredito em almoços grátis, prefiro as empresas em que os mimos se conquistam e não as que os oferecem embrulhados com um grande laçarote. Desses, dá-me para desconfiar. Mas pode ser só dor de cotovelo. Boas férias!
Rute Sousa Vasco é jornalista, diretora editorial do Portal SAPO e partner da Videonomics. Como autora, tem desenvolvido vários trabalhos nas áreas de gestão, comunicação e responsabilidade social, tendo publicado até ao momento o livro “A Sorte dá Muito Trabalho: O percurso de 23 CEO portugueses”. Na vertente multimédia, tem-se dedicado à produção de conteúdos em temas de empreendedorismo, liderança e criatividade. Frequentou o curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e tem uma Pós-Graduação em Marketing pela Universidade Católica Portuguesa e uma Pós-Graduação em Televisão e Cinema pela mesma universidade.