A sociedade é capaz de ter sido a pior invenção da Humanidade. Todas as coisas más que acontecem são culpa da sociedade. Até as empresas e os líderes sofrem por causa da sociedade.
Basta passar 15 minutos a ouvir as conversas num café, para descobrir que é a sociedade que impõe a obsessão pelo crescimento de que falei na minha última coluna de 2014. É a sociedade que impõe a desigualdade entre homens e mulheres, de que falei na minha coluna mais lida de 2014 no Portal da Liderança.
Nunca percebi isto da sociedade, porque acho que a sociedade não existe. Eu, pelo menos, nunca vi nenhuma coisa parecida com a sociedade de que se fala nos cafés, nos programas da manhã da televisão e nalguns livros de gestão.
Pior, já estou vivo há mais de 40 anos e a sociedade nunca se sentou a falar comigo. Se calhar, porque a sociedade nunca quis conversar comigo, é que não compreendo porque é que as mulheres ganham menos do que os homens a fazer o mesmo trabalho. Se calhar, também é por isso que nunca percebi porque é que uma carreira de sucesso é uma carreira em que se ganha mais e em que se tem mais poder.
Das duas uma: ou a sociedade é mais exigente do que as raparigas com quem namorei entre os 15 e os 25 anos; ou então a sociedade não existe.
Pois é, a sociedade não existe.
Então como é que ficámos convencidos de que é mesmo assim? Como é que ficámos a acreditar em coisas que não fazem sentido nenhum — que as mulheres é que têm que tratar da casa e das crianças, e que as crianças preferem ter um iPad para brincar do que ter os pais em casa quando saem da escola?
Ficamos a saber que é mesmo assim, por causa das coisas que as pessoas nos dizem e por causa das coisas que as pessoas nos fazem.
Como a maior parte das horas em que estamos acordados são passadas nas empresas, é nelas que nos dizem estas coisas e que nos fazem as coisas que criam a visão do mundo que temos, as nossas crenças e valores, a nossa cultura.
Nas empresas, nem todas as pessoas têm o mesmo poder para nos fazerem coisas. Só os líderes é que podem decidir se os homens e as mulheres da empresa têm a mesma hipótese de serem promovidos, e se a única diferença entre o que as pessoas ganham são os resultados que atingem. Só os líderes é que podem decidir se as pessoas podem ir para casa às seis da tarde, ou se têm que ficar até às nove, nem que seja a jogar o solitário no computador.
Nas empresas, nem todas as pessoas têm o mesmo poder para nos dizerem coisas que afetam a nossa maneira de ver a vida e de distinguir entre o que está certo e o que está errado. É fácil ignorar a opinião que um colega tem sobre o nosso comportamento e sobre os resultados do nosso trabalho. É difícil ignorar o que o nosso líder nos diz sobre a nossa competência e o nosso valor, e sobre o que devemos fazer se queremos ajudar a empresa a atingir os seus resultados.
A conclusão é que, se a sociedade não existe, então são os líderes que fazem o que as conversas nos cafés atribuem à sociedade. São os líderes das empresas onde trabalhamos que realmente afetam as ideias que cada um de nós acredita serem verdade, e os comportamentos que cada um de nós acredita que são corretos.
Mesmo quando somos crianças, a maior parte do nosso tempo é passado em organizações chamadas escolas, em que os professores, que são os nossos líderes nessa altura, têm muito poder para decidir as ideias que as crianças acham que são verdadeiras e os comportamentos que as crianças acham que são os corretos. É verdade que as crianças passam muito tempo a ver televisão. Mas a televisão é produzida por empresas. E são os líderes dessas empresas que decidem os conteúdos que são por eles criados e transmitidos.
Não há como escapar.
Todos os líderes são ativistas sociais. As coisas que os líderes fazem e as coisas que os líderes dizem, afetam o comportamento das pessoas que lideram. E a sociedade é o conjunto de pessoas que vive no mesmo sítio. Por isso, ao afetarem as ideias e o comportamento das pessoas que trabalham para eles, os líderes estão a afetar as ideias e o comportamento da sociedade.
Pode ser para o bem ou para o mal. Há líderes, como a Anita Roddick da Body Shop e o Ricardo Semler da Semco, que geriam as suas empresas de uma forma que não só trazia melhores resultados, como sustentavam uma sociedade mais justa e mais igualitária. Há outros, como o líder de uma televisão americana, que não devo identificar, que promovem o racismo, a xenofobia e a desigualdade entre homens e mulheres. E depois há muitos outros que não tentam mudar nada, nem para o bem, nem para o mal. Esses são os piores, porque mantêm as coisas como estão.
E as coisas não estão nada bem.
Está por isso na altura de cada um de nós, mesmo que só lidere uma equipa pequenina num call center, parar de culpar a sociedade e começar a assumir a sua responsabilidade social de tornar o mundo num sítio melhor. Se não o fizermos, ninguém o vai conseguir fazer, porque o único sítio em que existe uma coisa chamada sociedade, que determina o que as pessoas pensam e o que as pessoas fazem, é no café da esquina da rua onde mora e no restaurante onde vai almoçar todos os dias.
Não existe em mais lado nenhum.
João Vieira da Cunha é Diretor do Instituto de Investigação e Escola Doutoral da Universidade Europeia de Lisboa e professor visitante na Universidade de Ashrus, na Dinamarca. É doutorado em Gestão pela Sloan School of Management do MIT e Mestre em Comportamento Organizacional pelo ISPA. A sua investigação procura descobrir como é que as empresas podem tirar partido da desobediência dos gestores e dos colaboradores. Tem sido publicado nas principais revistas científicas internacionais na área da gestão e colabora regularmente na imprensa. A sua investigação tem ganho vários prémios internacionais de organizações, como a Academy of Management e a System Dynamics Society. Os seus clientes de consultadoria e formação de executivos incluem o Banco de Portugal, o Ministério da Saúde, a Novabase e o Barclays Bank.