Carlos Oliveira
Adicionalmente, o que verdadeiramente diferencia Silicon Valley é a sua cultura. SV é um “estado de espírito” que pode ser caracterizado da seguinte forma: desafio permanente dos modelos de negócio estabelecidos; a aspiração e o sonho como motor de geração de ideias; foco total no consumidor pagador como validador da inovação e dos modelos de negócio; aceitação do risco e da tentativa e erro como forma de crescer e desenvolver empresas; rapidez na construção de redes de confiança e partilha. Por este motivo, a melhor forma de beneficiar com SV é compreender a sua cultura e tentar aplicá-la a diversos níveis de intervenção, conforme abordado a seguir.
Países – aposta em novos modelos de desenvolvimento
Silicon Valley mostra que os modelos económicos mecânicos e racionais são importantes, mas não explicam tudo. São por isso insuficientes. Aspetos como redes de confiança, comunidades colaborativas, a vontade de mudar o mundo, entre outros, desempenham um papel importante na redução das barreiras sociais que aumentam os custos de transação económica e de utilização de recursos, e constrangem o processo de inovação. Para a inovação florescer é preciso reduzir/eliminar as barreiras formais, mas também as barreiras sociais de desconfiança, medo e dificuldade de comunicação e de interação. Por este motivo, para promover o empreendedorismo é essencial criar incentivos económicos (disponibilidade de capital de risco, políticas fiscais, etc.), mas é também essencial trabalhar noutra dimensão, de política económica “pós-moderna”, que aborde elementos fuzzy, que os modelos económicos tradicionais não endereçam. Ou seja, é essencial criar ecossistemas promotores do caldo cultural e de relacionamentos de confiança, através de microculturas inovadoras em incubadoras, cidades e regiões. E depois promover a disseminação à sociedade.
Neste sentido, vários países escolheram cidades com capacidade de investimento e de atração de talento para promoverem estes ecossistemas, salientando-se os exemplos europeus de Berlim e Londres, entre muitas outras metrópoles. Também Lisboa e outras cidades portuguesas estão a atuar neste sentido e a conseguir criar estes ecossistemas promotores de interações humanas mais produtivas em termos de inovação empresarial.
Empresas – o caldo cultural associado a disciplina de processos
Muitas empresas têm departamentos de inovação, um ou outro perito em inovação, ou consultores externos. Tudo certo, mas mesmo assim ficam aquém em termos de inovação. Em muitos casos, são empresas que até têm os processos de inovação desenhados, mas falta-lhes um ecossistema de inovação, ou network de inovação. Têm a parte racional mas falta-lhes o ecossistema cultural, as redes informais espontâneas.
Para este efeito, as empresas precisam de apostar: i) numa cultura que promove e acolhe novas ideias “de todos” os que têm a energia e o potencial para gerar novas ideias vencedoras, ii) num grupo de base (formal ou informal, grande ou pequeno) que suporta estas ideias, com elementos do topo, com líderes operacionais internos, com peritos, com consultores externos se necessário, iii) num modelo de promoção de network permanente, com reuniões, apresentações, brainstormings, que promovam a conexão entre várias áreas e partilha de ideias, iv) num modelo de gerar, promover e analisar as ideias de negócio (framework de inovação) que seja apresentado e do conhecimento de todos na organização. Este ecossistema não precisa de um gabinete central a mediar a comunicação e a comandar o processo de geração de ideias, que deve surgir de forma espontânea entre as pessoas. Temos assim um processo bottom-up de criatividade e um processo top-down de definição de regras e de validação final das ideias geradas.
Indivíduos – o empreendedor global
Onde o impacto de Silicon Valley mais facilmente se faz sentir é a nível individual, como atestam os casos testemunhados pelo programa de executivos Global Strategic Innovation e o programa de aceleração de start ups, geridos pela LBC em SV.
Quem passa por SV sabe que para aumentar as suas probabilidades de sucesso tem de: i) se tornar num empreender global, isto é, criar propostas de negócio competitivas no mercado global, ii) procurar “the next big ideia”, ter ambição de mudar o mundo e assumir a mudança de comportamentos necessários para o fazer, iii) construir redes colaborativas de reciprocidade e partilha, nacionais e internacionais, iv) manter o contacto com os melhores e com SV (os Jogos Olímpicos do empreendedorismo), v) procurar financiamento smart, que abre portas, que partilha ensinamentos e acompanha o empreendedor em várias fases de crescimento, vi) juntar os processos analíticos da velha escola de pensamento de negócios com a criatividade, a intuição e o risco da nova escola de pensamento.
Silicon Valley ensina-nos muitas coisas, mas acima de tudo ensina-nos que somente com um novo mindset os países, as empresas e os indivíduos terão sucesso na nova sociedade da informação e do conhecimento, e na economia globalizada.
21-09-2015
Carlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como a África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.