União Europeia: muita gente a brincar com o fogo

União Europeia: muita gente a brincar com o fogo
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O Brexit é uma evidência do que pode por aí vir, por toda a Europa, se continuarmos por este caminho.

Carlos Oliveira

Presentemente, anda gente a mais – especialmente políticos taticistas e comentadores oportunistas – a tentar lucrar no curto prazo com a crise financeira e as limitações de construção da União Europeia (UE). Estão a brincar com o fogo. As “costas largas” da UE não são tão largas como pensam. Hoje são poucos os que defendem vigorosamente a União Europeia, criando assim um vazio que vai ter consequências. Os benefícios da UE não são promovidos ativamente e a ideia de uma soberania ilusória no mundo globalizado de hoje é amplamente propagada. Se não houver uma alteração desta situação a fatura será elevada para todos os europeus, mas mais ainda para os cidadãos de países pequenos como Portugal.

Quem periga a UE
Cinco tipos de pessoas enfraquecem a UE neste momento:
- Radicais assumidamente contra. Juntam-se nesta categoria radicais de direita e de esquerda, nouveaux anarquistas antissistema, radicais antidemocráticos, xenófobos, ultranacionalistas e populistas puros. Beneficiam essencialmente da crise financeira, da pressão dos refugiados e da promoção da ideia da humilhação das soberanias nacionais.

- Os falsos amigos. Esta categoria alberga falsos democratas e falsos pós-modernos, que dizem, em pele de carneiro, querer “melhorar” e “reformar” esta UE, mas todo o seu conteúdo é destruidor da confiança na União Europeia e em nada regenerador. Beneficiam essencialmente de falhas de funcionamento da UE e das suas técnicas de comunicação ultra sofisticadas.

- Os líderes políticos e de opinião mainstream em tentação. Esta categoria é mais elástica e alberga os (demasiados) líderes moderados que resvalam para a tentação de ganhar aprovação fácil no curto prazo criticando a UE, bem como os taticistas incuráveis (por ser essa a sua natureza ou fraqueza). Beneficiam essencialmente da crítica fácil para ganhos pessoais num período de crise.

- Os ingénuos. Líderes bem-intencionados, mais jovens ou inexperientes, mas sem qualquer noção do que se está a passar, facilmente atraídos por ilusões, iludidos por movimentos de massas e por chavões abstratos de concretização impossível. Beneficiam essencialmente das frustrações resultantes da crise e do voto de protesto.

- Comentadores oportunistas. Colunistas, comentadores, jornalistas, e todo um conjunto de gente que vive do verbo e de quantas pessoas os leem/ouvem/veem, cujo único objetivo é a popularidade e o retorno financeiro ou aplauso associado, que por isso amplificam tudo o que é negativo e demagógico. Beneficiam do interesse mercantilista dos donos dos media e da impessoalidade das redes sociais. 

David Cameron – o exemplo histórico da tentação do ganho imediato
Neste momento, quem está a desequilibrar o sistema político e a perigar a estabilidade da UE são os políticos mainstream, que cedem ao taticismo para ganhos egoístas de curto prazo, sem coragem de assumirem convicções perante dificuldades, de serem pedagógicos perante a demagogia e de irem contra a corrente populista.

A história vai registar David Cameron como o líder que tirou o Reino Unido da UE (e que iniciou um conjunto de acontecimentos associados, pois as réplicas ainda estão por acontecer) e vai secundarizar tudo o que fez durante toda a sua carreira política e seis anos de Governo. Cameron vai ser lembrado pelo oposto do que gostaria, porque cedeu à tentação do ganho fácil no curto prazo (para mais facilmente ganhar as eleições) e por ser populista (em vez de ser um líder de convicções, com os custos pessoais que isso traz).  

O referendo sobre o Brexit reduziu um tema complexo à infantilidade dos sound bytes, tendo sido dominado pelo medo, pela desconfiança e pela desinformação, de ambos os lados. Tudo o que não deve ser o exercício de uma democracia de qualidade.

O caminho estreito dos líderes europeus
O caminho a seguir pelos líderes europeus é estreito devido ao contexto da globalização e das limitações financeiras(1). Neste contexto, quatro fatores parecem fundamentais para conduzir os europeus para uma europa mais próspera.

1- Promover os ideais europeus e ser mais pedagógico. Os ideais políticos europeus têm sido secundarizados pela crise financeira. É preciso promover a visão europeia original, um ideário compreensível por todos e arriscar defendê-lo, com mais coragem, mais inteligência, mais modernidade, mais futuro, mais esperança. A UE é o espaço político mundial onde se vive melhor, onde há menos desigualdade e onde há mais democracia e respeito pelos direitos humanos. Em todas as formas como se queira medir. A Europa antes da UE era um espaço menos democrático, mais pobre, mais desigual, de confrontos contínuos e duas guerras mundiais. O nacional-populismo já anteriormente mostrou à Europa a sua face negra. É preciso lembrá-la. A crise financeira e a austeridade não são opções ideológicas, mas conjunturas difíceis que temos de ultrapassar. O mundo mudou. Os europeus têm de se preparar para um mundo onde já não mandam como no passado (nas trocas comerciais como noutras dimensões). As novas tecnologias vão continuar a trazer ruturas económicas e sociais enormes. É a nova realidade e não vale a pena reagir com negativismo. Os ideais da UE são ainda a melhor forma de construir o futuro dos cidadãos europeus. Especialmente de países pequenos como Portugal. É preciso investir em mostrar como cada país e região tem beneficiado da UE.

2 - Nem 8 nem 80, renovar. Acelerar o processo de integração europeia num momento em que a UE não consegue explicar aos cidadãos europeus o caminho percorrido até aqui é alienar de vez o apoio popular necessário para este processo ultra complexo. Por outro lado, fazer cedências a cada país e nas regras básicas, seria tornar a desintegração inevitável. O caminho a seguir é a melhor comunicação com os cidadãos (que tem faltado), a consolidação (de falhas no modelo) e a renovação (com crescimento económico).

3 - Corrigir os défices do modelo atual. É evidente a excessiva burocratização da governação europeia, a sensação de perda de soberania que a partilha de decisões implica, numa Europa a 28 (27). Há que salvaguardar poderes mínimos de autogoverno. Há também que compensar os custos que o euro tem para as economias periféricas. A crise das dívidas soberanas criou tensão entre o Norte e o Sul que urge sarar. É também importante cultivar a proximidade com os cidadãos europeus. Se estes sentirem o projeto europeu como uma imposição injusta, o populismo vai continuar a ganhar espaço. Mas não se pode vender ilusões. Todas as soluções multinacionais implicam perda de soberania, não há volta a dar.

4 - Brexit and Keep Calm. O Reino Unido é demasiado importante para a Europa, que não se pode dar ao luxo de o antagonizar e de retaliar. Embora não se possa beneficiar o infrator (isso seria incentivar mais saídas, e da Zona Euro). O coletivo europeu tem de ser pragmático e prudente, reconhecer que a Europa vai ser diferente e ter a criatividade para ajustar o modelo e o seu novo relacionamento com o Reino Unido. 

Há demasiados Camerons espalhados pela Europa, cada um à sua maneira, à sua dimensão e com os seus diferentes motivos. Líderes que revelam fraqueza perante o populismo que se generaliza contra a UE e que se enredam em jogadas táticas com ganhos de curto prazo e custos enormes de longo prazo. O exemplo inglês servirá de lição?

(1) O modelo social europeu como concebido nos anos do pós-guerra está sob pressão. Primeiro pela perda de poder económico da Europa numa economia globalizada, depois pela alteração da demografia e, mais recentemente, quando a opção pelo endividamento contínuo atingiu o seu limite, com as consequências que se conhecem. É preciso ajustar, mudar, evoluir para garantir a sustentabilidade do modelo social. E as pessoas resistem às mudanças. São precisos líderes para as conduzir. Em cenários de instabilidade, os líderes populistas ganharão se não houver líderes com convicções fortes que se assumam, pois os líderes taticistas não terão capacidade de resposta.

27-06-2016 

CMO-PLCarlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.