A lição de liderança na renúncia do CEO da Netflix

A lição de liderança na renúncia do CEO da Netflix
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Com a renúncia ao cargo de CEO da Netflix, Reed Hastings abriu caminho para dois colegas, e a empresa permanece com o modelo de co-CEO. Esta movimentação é uma autêntica lição sobre liderança no seu melhor quando se trata de reconhecer que é altura de dar lugar à próxima geração.

A Netflix é uma empresa muito diferente de quando Reed Hastings a fundou, há 25 anos. Na altura apostava num conceito inovador: em vez de se pagar 3 a 4 dólares sempre que quisesse alugar um filme, poderia pagar uma taxa mensal à Netflix e a empresa enviava os DVD pelo correio. Hoje a Netflix é o maior serviço de streaming do mundo, e o negócio mudou muito nas últimas duas décadas. Em 2022, numa altura em que a Netflix estava a perder subscritores pela primeira vez em dez anos, a companhia começou a vender anúncios, após Reed Hastings ter admitido numa entrevista que o seu maior erro foi não ter visto o potencial de haver patamares de subscrição com custos mais baixos e suportados pela publicidade.

A mudança para um nível suportado por anúncios parece estar a compensar. Na mais recente apresentação de resultados, a Netflix declarou que ganhou 7,7 milhões de assinantes, número que superou as expetativas da maioria dos analistas após a empresa ter ficado aquém em grande parte do exercício de 2022.

No início de 2023 Reed Hastings anunciou uma mudança ainda maior: que renunciava ao cargo de CEO, com efeito imediato. O diretor de operações, Greg Peters, ficou como co-CEO ao lado de Ted Sarandos, que ocupa a função de co-CEO desde 2020. Reed Hastings passou a presidente executivo.

Desde a fundação da Netflix, Reed Hastings viu a empresa passar por três grandes alterações: a passagem do envio de DVD para o streaming de vídeo, a mudança para a criação de conteúdo próprio e original, e a passagem para anúncios. Daí que a renúncia ao cargo de CEO seja um exemplo de liderança.

O até então CEO declarou no blog da Netflix que “começámos 2023 com um impulso renovado como empresa e um caminho claro para reacelerar o nosso crescimento. Estou empolgado com a liderança de Ted e Greg, e a sua capacidade de tornar os próximos 25 anos ainda melhores que os primeiros”. O que esta declaração tem de notável é Reed Hastings não presumir que é a pessoa mais indicada para liderar a empresa no “caminho para reacelerar” o crescimento. E reconhecer que tem duas pessoas mais bem equipadas para liderar a Netflix. Como é apontado num artigo da Inc. pelo colunista de tecnologia Jason Aten, muitos líderes carecem deste nível de autoconsciência: pelo contrário, pensam em si mesmos como sendo tão indispensáveis que permanecem nos cargos por muito tempo – em detrimento da equipa e da empresa.

Reed Hastings prossegue: “Ted e Greg desenvolveram grande confiança e respeito um pelo outro através dos sucessos e fracassos coletivos. Além de que podemos sempre contar com eles para colocarem os interesses da Netflix em primeiro lugar. Estas qualidades – combinadas com os seus conjuntos de competências complementares, profundo conhecimento de entretenimento e tecnologia, e historial comprovado na Netflix – criam uma oportunidade única para proporcionar um crescimento mais rápido e maior sucesso a longo prazo com eles como co-CEO”. A parte sobre “sucessos e fracassos coletivos” fala-nos de como, através das experiências partilhadas, os relacionamentos se solidificam e se fortalecem, e de como as lutas e celebrações conjuntas nas organizações nos levam a aprender a confiar uns nos outros.

Reed Hastings explica ainda que a transição estava a ser preparada há bastante tempo. “O nosso conselho de administração tem vindo a debater o planeamento de sucessão há muitos anos (até os fundadores precisam evoluir!). Como parte deste processo, promovemos o Ted a co-CEO comigo em julho de 2020 e o Greg a COO (chief operating officer) – e nos últimos dois anos e meio deleguei cada vez mais neles a gestão da Netflix”. De acordo com a última frase, Reed Hastings abriu mão do controlo da empresa e entregou a responsabilidade às pessoas nas quais confia para liderar. Delegou a liderança na sua equipa, abrindo caminho para quem o ia substituir.

A Netflix é uma das poucas empresas que conseguiu fazer resultar o modelo de co-CEO, e parece que vai mantê-lo. Se bem que, com Reed Hastings como presidente, o topo está um pouco lotado. Mas o motivo pelo qual tem funcionado, refere Jason Aten na Inc., prende-se com o facto de a Netflix ser duas empresas numa. A primeira é uma empresa de produtos de tecnologia que fornece vídeo para televisão ou smartphones. A outra é uma empresa de conteúdo que faz filmes e programas de televisão. Há uma delimitação clara de responsabilidade. É, aliás, devido à disposição de Reed Hastings para deixar ir as partes do negócio que não eram o seu forte e permitir Ted Sarandos ser o rosto da empresa em Hollywood que funcionou tão bem por tanto tempo.

Não é de ânimo leve que um líder dá um passo atrás e deixa o caminho livre: os CEO costumam ser maus neste aspeto. É por isso de ressaltar quando um deles demonstra ter autoconsciência suficiente para “colocar os interesses” da empresa “em primeiro lugar”. Foi o que fez Reed Hastings na Netflix.

05-04-2023


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