O mundo vive de citações. Sim, citações. Estilo “Vem aí a Quarta Revolução Industrial”. Ou “A digitalização vai mudar a forma como vivemos”. Não deve ter havido outro momento na História da Humanidade em que as citações tenham tido tanto peso na forma como pensamos ou agimos em sociedade.
Camilo Lourenço
A edição deste ano do Fórum Económico de Davos, uma espécie de “think tank” que se reúne na pequena cidade suíça, não escapou a esta regra. O assunto mais badalado nos três dias do evento foi o impacto da tecnologia na sociedade, nomeadamente no mundo do trabalho. Também não era para menos: a Quarta Revolução Industrial era precisamente o tema. Desde os CEO de grandes empresas, como Satya Nadella, CEO da Microsoft, a Robert Shiller, da Yale University, passando por Pierre Nateme, CEO da Accenture, todos falaram dela.
O ponto comum das intervenções foi o impacto que essa Revolução terá nas nossas vidas. Um deles é, inquestionavelmente, o emprego. Aliás, logo no primeiro dia do Fórum a organização divulgou um relatório que dava conta que as alterações tecnológicas, nomeadamente a robotização, provocariam a perda de 5 milhões de postos de trabalho no mundo até o ano 2020.
Que balanço se pode fazer do Fórum de 2016 e das discussões à volta deste assunto? Estamos mesmo perante uma alteração radical na forma como vivemos, a ponto de a sociedade estar prestes a “entrar em território não mapeado”, como disse Mark Benioff, CEO da Salesforce (ou, como disse o vice-presidente dos EUA, a revolução digital pode destruir a classe média)? Ou a propalada Quarta Revolução será a evolução das alterações que vimos experimentado nas últimas duas décadas com o triunfo da tecnologia (e, portanto, sem impacto significativo nas nossas vidas)?
Ninguém, dos que falaram em Davos, conseguiu dar elementos que permitam ter certezas. Afinal o mundo já assistiu a profundas transformações desde que o PC passou a fazer parte central da nossa sociedade, sem que isso tivesse terminado em revoluções sangrentas. Por exemplo, nos últimos 15 anos metade das empresas da Fortune 500 saiu da lista por causa do impacto da revolução tecnológica. No entanto, isso não representou um crescimento insustentável do desemprego nos EUA e não interrompeu a criação de riqueza.
Comecei este artigo a dizer que o mundo adora citações. Como me dizia uma professora que tive nos EUA, há uns 25 anos, “vocês (na imprensa) adoram títulos bombásticos. Vende melhor, não é?”. E vou terminá-lo com aquela que me parece uma das vozes mais sensatas do encontro deste ano – Erik Brynjolfsson, diretor do Initiative for the Digital Economy, do MIT: “essa ideia de que os robôs vão tomar o nosso lugar (no trabalho) é o maior erro que ouvi aqui em Davos”. Suspeito que o futuro lhe vai dar razão…
26-01-2016
Camilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e a University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita. No seu livro mais recente, “Fartos de Ser Pobres”, volta "a pôr o dedo na ferida", analisando os resultados eleitorais, os vários cenários políticos e os novos desafios para a economia.