A surpreendente utilidade das metas – Camilo Lourenço

A surpreendente utilidade das metas – Camilo Lourenço

A vida, a nossa, é feita de desafios. Se não dissermos a nós mesmos onde queremos estar daqui a cinco anos, dificilmente orientamos a nossa vida para lá estar nesse prazo.

Nas empresas passa-se a mesma coisa. Recordo-me de há uns anos o director-geral de uma empresa ter convocado a comissão executiva para uma reunião. E quando todos esperavam um encontro normal, destinado a discutir a performance trimestral, saiu-se com uma surpresa: “Tenho um desafio para vocês: fazer desta a melhor empresa portuguesa daqui a cinco anos”. Silêncio na sala. Alguns dos administradores ainda olharam uns para os outros sem conseguirem dizer nada. “Então?”, atirou o CEO, “não dizem nada? Acham que o objetivo é pouco ambicioso?”

Ao fim de alguns minutos os presentes recuperaram o fôlego e perceberam que aquilo não era uma brincadeira; o CEO falava a sério. E a partir daí começaram a estruturar ideias.

O resto da reunião não foi brilhante. Os presentes não tinham qualquer ideia de como estruturar um desafio tão importante. Era natural: afinal nenhum deles havia sido, alguma vez, confrontado com uma tarefa tão desafiante. E logo ali o CEO ganhou uma batalha: obrigou os presentes a pensarem fora da caixa. Porque o exercício de estruturar o desafio colocou os presentes perante a necessidade de sair da sua rotina habitual: as vendas, a qualidade dos produtos, as margens de lucro, etc.

É claro que o assunto não ficou esgotado nessa reunião. Os administradores levaram como trabalho de casa a elaboração de um mini-plano que, dentro de cada área, seria uma espécie de “road-map” para implementar uma estratégia ganhadora.

Nos encontros seguintes da comissão executiva reservou-se uma parte do tempo para discutir apenas o desafio como-ser-a-melhor-empresa-portuguesa. O mais interessante deste processo, que acompanhei com curiosidade, foi perceber a mudança de atitude dos presentes: em pouco tempo passaram de agentes passivos, concentrados na sua rotina, para “pensadores”. Isto é, para drivers de uma nova atitude. Ganhadora. Afinal havia que montar uma estratégia para lá chegar: quais as metas intercalares (fazer se fazer o “assessment” do que estava a ser cumprido), quais as métricas a adotar, que produtos lançar, como dinamizar as equipas (não se ganham desafios deste calibre sem motivar todo capital intelectual de uma empresa) e quais os prémios a atribuir uma vez cumpridos os objetivos.

Se o leitor a esta hora está a perguntar o que aconteceu; se ao final dos cinco anos aquela organização se tornou na melhor empresa portuguesa, antecipo já o fim: Não! Então foi tudo um fracasso, dirá. Também não! Pelo contrário... Aquele foi o desafio mais importante com que a comissão executiva foi confrontada. E obrigou as pessoas a empenharem-se a fundo para levarem a empresa a um plano superior de qualidade e competitividade. Embora não tenha chegado ao topo do ranking, o desafio serviu para instaurar um novo “drive” na empresa. E a verdade é que a partir daí nada voltou a ser como dantes: aquele objetivo, “ser melhor” que toda a concorrência, passou a ser a nova visão. E isso, só isso, representou uma grande mudança. Experimente fazer o mesmo na sua empresa: vai ver que vale a pena. 

 


Camilo-Lourenço-FotoNovaCamilo Lourenço é licenciado em Direito Económico pela Universidade de Lisboa. Passou ainda pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque e University of Michigan, onde fez uma especialização em jornalismo financeiro. Passou também pela Universidade Católica Portuguesa. Comentador de assuntos económicos e financeiros em vários canais de televisão generalista, é também docente universitário. Em 2010, por solicitação de várias entidades (portuguesas e multinacionais), começou a fazer palestras de formação, dirigidas aos quadros médios e superiores, em áreas como Liderança, Marketing e Gestão. Em 2007 estreou-se na escrita, sendo o seu livro mais recente “Saiam da Frente!”, sobre os protagonistas das três bancarrotas sofridas por Portugal que continuam no poder.