Existe um largo consenso sobre a importância da liderança para o sucesso das empresas e das organizações em geral. Neste contexto, um dos grandes desafios consiste em tornar mais operacionais e eficazes os esforços de desenvolvimento de liderança nas empresas, especialmente face ao fraco impacto destes na generalidade.
Carlos Oliveira
Para o efeito, é necessário corrigir um conjunto de erros que as empresas cometem recorrentemente nos seus esforços de desenvolvimento de liderança. Saliento os quatro que considero mais frequentes.
Erro 1: Formação ad hoc e por impulso
A grande maioria das empresas resume o desenvolvimento da liderança à formação. Adicionalmente, faz formação em liderança de forma ad hoc como quem compra por impulso algo que encontra na prateleira junto à caixa de pagamentos do supermercado. A formação sobre liderança não é precedida de uma avaliação das necessidades internas e das opções no mercado. A oferta que aparecer no momento mais oportuno é a que se compra. Convém salientar que, mesmo assim, esta formação é bem melhor do que nada. Estas empresas estão à frente das que simplesmente não fazem formação em liderança. Os prestadores de serviço que oferecem estas formações geralmente sabem o que o seu mercado precisa. Em muitos casos, estas formações despertam as empresas para as questões mais estruturais sobre o desenvolvimento da liderança e despoletam as medidas necessárias.
No entanto, nestes casos, os beneficiários da formação são essencialmente os formandos e não as empresas ou organizações que os enviaram para a formação. Na maioria das vezes, as pessoas regressam às empresas cheias de ideias e energia positiva, que a organização não consegue acolher, podendo mesmo levar a um crescente sentimento de frustração de quem foi à formação, e à sua saída da empresa.
A melhor solução é claramente identificar as necessidades precisas de formação em liderança e ser a empresa a avaliar o mercado e a escolher a que mais lhe convém, porventura lançando um procedimento concorrencial de compra dessa formação.
Erro 2: Não ligar a liderança a resultados
Outro erro recorrente é ligar a formação apenas a características individuais ou organizacionais e a conceitos genéricos, esperando ou assumindo que os resultados surjam em consequência. Isto é, os conceitos de liderança são um fim em si mesmo, uma construção teórica, sem qualquer ligação a resultados. Este tipo de formação tradicional tem um baixo impacto nas empresas/organizações.
O foco na teoria, desfasada da realidade, acontece porque algumas das pessoas que trabalham nesta área sabem pouco de negócio, de produtividade, de competitividade, de fazer as coisas acontecer, e têm dificuldade em conjugar os conceitos com a realidade do dia a dia das empresas e das entidades públicas.
A melhor solução é claramente definir uma abordagem “pragmática” da liderança, ou seja, uma formação orientada para os resultados que se querem atingir na empresa ou na organização e para os comportamentos e capacidades que os formandos devem ter para os atingir. Os conceitos são apenas instrumentais. O que interessa são os resultados das empresas e das entidades públicas, não a confirmação de modelos teóricos. Os modelos, por definição, têm sempre falhas e, por isso, devem ser apenas referenciais e não um fim em si mesmo, como acontece com muitas das abordagens tradicionais.
Erro 3: Desenvolver pessoas em vez de desenvolver um sistema
O terceiro erro mais frequente é a concentração da formação em pessoas/líderes, especialmente no topo da pirâmide de decisão, em vez de desenvolver um sistema (processos formais) de liderança, onde se encaixa depois a formação de líderes e um largo conjunto de outros elementos sistémicos, para além da formação.
A maior parte das abordagens de liderança estão orientadas para os indivíduos. Trabalhar o indivíduo não é o mesmo que trabalhar a organização como um todo. Os líderes são eficazes numas situações e períodos e ineficazes noutros, podendo conduzir as organizações tanto a resultados excelentes como a resultados desastrosos. Adicionalmente, quando um líder sai de uma organização que não tem um sistema de liderança, o impacto é elevado.
A evidência dos últimos anos, e em particular o padrão de decisões que cumulativa e incrementalmente levou à crise financeira que emergiu durante 2008 – i.e., decisões empresariais bastante focadas no topo da cadeia de decisão e fortemente influenciadas pelas recompensas dos CEO e dos conselhos de administração –, tem demonstrado que o desempenho das empresas depende menos do líder da empresa (de um indivíduo) e mais da liderança (de um sistema regulado) na empresa e na sociedade.
A melhor solução é pois dar uma atenção prévia ao desenvolvimento de um sistema de liderança em cada organização e só depois ao desenvolvimento dos líderes em concreto. O foco principal e inicial de desenvolvimento deverão ser os sistemas de liderança da organização que atraem, desenvolvem e retêm líderes a todos os níveis da organização. Este sistema perdura para além da saída do líder e compensa os eventuais erros do topo da cadeia de decisão.
O desenvolvimento de líderes é importante, mas somente dentro de um sistema de desenvolvimento de liderança congruente.
A liderança é um processo e deve ser visto como tal. Sendo o substrato de todos os outros processos numa organização, então a verdadeira procura de diferenciação e de vantagem competitiva passa pela construção de diferenciação e de vantagem nos processos de liderança da empresa. As melhores empresas ao longo do tempo são aquelas que desenvolvem líderes de forma sistematizada.
Erro 4: Não alinhar a liderança com a estratégia, a organização e os clientes da organização
Outro erro recorrente é o facto da maioria dos esforços de desenvolvimento de liderança não estarem alinhados com a estratégia da empresa, com as caraterísticas organizacionais ou com a imagem/diferenciadores que a empresa tem junto do seu mercado. Parte-se de um conceito teórico, que se aplica a qualquer organização de forma indiferenciada, como se todas as organizações fossem iguais. O impacto destes esforços são limitados.
A melhor solução é partir do alinhamento entre a estratégia da empresa, as caraterísticas organizacionais (cultura e gaps percecionados) e a marca da empresa (“brand”) junto dos seus clientes, ou seja, das expetativas dos clientes da organização. Estes três fatores têm de estar totalmente alinhados para haver máxima eficácia. Por outro lado, este alinhamento resulta num sistema de liderança único para cada empresa/organização. Assim como a estratégia, a organização e a marca devem ser únicas e diferenciadas, também o sistema de liderança deve ser customizado e único para reforçar a diferenciação, a competitividade e a eficácia. Cada empresa ou organização é única e, por isso, deverá ter o seu próprio “estilo/sistema/brand” de liderança.
Um Modelo Operacional
O desenvolvimento de liderança é pois mais do que formação e mais do que a compra ocasional de formação teórica, sem relação com os resultados a atingir e focada apenas em indivíduos isolados da estratégia, das caraterísticas da organização e da marca junto do mercado. O desenvolvimento de liderança deve envolver, essencialmente, a construção de um sistema (processos formais) de liderança, assim como se desenvolvem processos formais para estratégia, finanças, vendas, produção, logística, etc. O desenvolvimento da liderança deve portanto partir, não de conceitos, mas sim de um modelo operacional.
O modelo operacional na figura abaixo é apenas um exemplo, de muitos outros. De forma simplista, primeiro é preciso ter um Programa de Desenvolvimento de Liderança (PDL) e construir os processos associados, depois é que se desenvolvem os Planos de Desenvolvimento Individuais (que envolvem mais do que formação), entre muitos outros elementos.
Carlos Miguel Valleré Oliveira é CEO da LBC, empresa internacional de consultoria de gestão presente em países como a África do Sul, Angola, Brasil, Cabo Verde, EUA, Espanha, Moçambique e Portugal. O antigo presidente da CCILSA – Câmara de Comércio e Indústria Luso Sul-Africana assina a rubrica "Ponto de Vista" no Portal da Liderança sobre os temas da liderança-gestão, economia-sociedade e inovação-empreendedorismo.