Joanne Wood, Fundadora e Presidente da Capital Eight em Xangai, acredita que "na China é hoje muito importante entender a forma como as decisões são tomadas e as dinâmicas subjacentes a essa tomada de decisão" e que nela "está a surgir um sector privado muito forte".
Portal da Liderança (PL): O que nos pode dizer acerca da liderança no mundo asiático?
Joanne Wood (JW): Acho que é muito importante, em primeiro lugar, relembrar que a Ásia não é um mercado único. Não é, de forma alguma, homogéneo. Há muitos países que estão agora a emergir após muitas décadas de turbulência política e outros que estão muito mais avançados, como a China e a Índia, que estão muito bem classificados em termos de crescimento do PIB da economia. Estes estão, sem dúvida, entre os maiores do mundo e estima-se que a China vá superar os EUA em 2017 em termos de crescimento do PIB. Por outro lado, em termos de proteção social da população, salários, remuneração, etc. e das condições de ambiente em que vivem, estas são muito, muito diferentes e estes países ainda têm um longo caminho a percorrer em termos de desenvolvimento económico e de desenvolvimento social humano. Assim, se tiver em atenção esta perceção de que a Ásia não é um mercado homogéneo, a liderança é muito afetada pelo estado atual das dinâmicas, tanto em termos de dinâmica social como económica, em todos os países asiáticos.
Se vir o exemplo de alguém como eu e Jack Ma, que está agora a revelar-se, e até o próprio Vietnam, eu e Ma vivemos numa China de talvez 20 ou 25 anos atrás, com um estilo que era fortemente influenciado pelo governo e pela sua liderança. Assim, muitos destes países estão prestes a sair de um período de talvez 30 a 40 anos, em que a liderança foi baseada na agenda política. Repare noutros países, em economias como a Índia e também a China atual, e verificará que na China está a surgir um sector privado muito forte. Um exemplo clássico de quão bem desenvolvido está a tornar-se o sector privado na China, pode ver-se no sucesso do IPO da Alibaba em NY, na bolsa de valores. Na Índia, temos um setor privado emergente durante um período já muito mais longo, mas houve uma série de infraestruturas económicas que não foram tão bem desenvolvidas como deveriam ser, e que condicionaram, provavelmente, o crescimento do setor privado. Assim, enquanto, em alguns países, o estilo é ainda muito autocrático, muito condicionado politicamente, noutros podemos olhar para o outro lado do espectro, onde encontramos uma sociedade com uma liderança muito mais capitalista, talvez tão desenvolvida como a que se encontra na Europa ou nos EUA ou noutra parte desenvolvida do mundo. E depois há ainda todo espetro intermédio.
PL: Quais são principais diferenças entre a maneira de fazer negócio no Oriente e no Ocidente?
JW: Há uma enorme diferença e este é realmente um dos desafios para muitas empresas e homens de negócios que vêm de um ambiente europeu, por exemplo, para a Ásia. Tradicionalmente, como a cultura é muito diferente, a maneira de fazer negócio na Ásia evoluiu, mercê de circunstâncias muito diferentes, com muito dinâmicas diferentes . Mais uma vez, percebendo que cada país tem um ambiente cultural diferente. Sempre que entrarem num país, uma das primeiras coisas que gostaria de aconselhar as pessoas a fazerem é familiarizarem-se com os costumes e tradições. As diferenças são extremas, em termos dos modelos de fazer negócio e de negociar a documentação contratual, num país como a Índia vs a China. E, se formos para Hong Kong ou mesmo Singapura ou Indonésia, ou para mercados muito importantes ou muito grandes, onde talvez tenha havido uma maior influência histórica inglesa, podemos sentir-nos como se estivéssemos de volta à Europa. A cultura tem bastante a ver com isso. O idioma também pode fazer uma diferença muito grande. Muitas empresas e empresários acham que é muito fácil fazer negócios num país como a Índia, porque a língua usada é o Inglês. Não sentem tanto que há ali uma diferença cultural. E a capacidade de comunicar em tempo útil, sem tradução, pode fazer uma grande diferença na forma e rapidez com que pode concretizar um acordo. Noutros, como a China, por exemplo, pode acontecer que as diferenças linguísticas que exigem tradução possam levar à perda de confiança ou levar mais tempo para ganhar essa confiança, facto que pode ter impacto no sucesso do negócio que se está a tentar desenvolver. Mas não é só isso, porém. Num país como a China, é preciso uma grande dose de tolerância. É necessário ter paciência e entender a possibilidade de, por vezes, as pessoas com quem se está a negociar na sala não serem os tomadores de decisão. Podemos aperceber-nos facilmente de que o tomador de decisão está fora da sala de negociação, sendo ele que dá instruções e orientações para dentro. Se tiver a certeza disso, poderá aproveitar esse facto e explorar essa circunstância, mas é necessário que perceba o que realmente está ali a acontecer.
PL: O que precisam fazer os empresários do Ocidente, para negociar com os decisores do Oriente?
JW: O fundamental é compreender que existem diferenças culturais muito significativas entre o Oriente e o Ocidente e que vão enfrentar essas diferenças. Muitas pessoas que trabalham na China, ou que acabam de chegar, ouvem a palavra Guanxi.
Guanxi pode ser traduzido como “relacionamentos”, mas significa muito mais do que isso. É a confiança [trust] e a convicção [confidence] que os chineses consideram como valor pessoal, mas que se reflete da esfera indidual para a segurança e confiança da empresa. Mas tal não acontece da noite para o dia. Tal como em qualquer outro lugar do mundo, as relações não acontecem no espaço de uma reunião, levam tempo. E é aqui que é muito importante que se tenha paciência e tolerância para ser capaz de continuar a desenvolver o relacionamento. Apesar do que fica dito, Guanxi está agora a mudar em termos das suas características. Atrevia-me a dizer que Guanxi está a normalizar. Guanxi está a tornar-se muito mais no relacionamento que os empresários têm no âmbito do seu trabalho diário. Assim, por exemplo, há 25 anos, quando residi pela primeira vez na China, Guaxin era “sobrevivência”. Para poder comprar arroz no armazém local, precisava de cupões, rações. Se não tivesse essas rações ou ficasse sem elas, teria que conhecer alguém que pudesse ajudar a obter rações extras. Ou, se quisesse comprar um bilhete de um voo de Pequim para Hong Kong, não havia bilheteiras, não havia informação de horários, não se tinha ideia de quais as companhias aéreas em que voar, quando, onde e em que dias e, se quisesse entrar no que mais parecia um armazém, iria encontrar 1000 pessoas à espera. Era uma multidão, não havia filas e como se poderia obter um bilhete? Uma pessoa necessitava de Guanxi, necessitava de ter um relacionamento com alguém que poderia entrar pela porta dos fundos, por assim dizer, e ajudar a entender os horários, os voos, o preço dos bilhetes e se havia algum disponível. Esses dias já acabaram há muito tempo, por isso Guanxi tem hoje muito mais que ver com os motivos para a seleção de um diretor específico para o conselho de uma empresa. São os seus conhecimentos e as relações que traz na sua rede de contactos, que podem elevar uma determinada empresa em termos do seu desenvolvimento. Este é um aspecto fundamental a ter em atenção, particularmente com a China. Vai verificar que, em grande medida, também se verifica em muitos outros grandes países da região.
O que é muito importante entender agora, particularmente com a China, é a forma como as decisões são tomadas e as dinâmicas subjacentes à tomada de decisão. O que está a motivar as empresas chinesas e os empresários chineses a realizarem os seus negócios, especialmente na globalização, indo para o estrangeiro, como podemos ver cada vez mais em todo o mundo. Assistimos ao nascimento de um sector privado que não existia há décadas e, certamente, esta é a primeira vez que podemos ver nesta nova liderança, esta tentativa de separar o governo dos negócios, do comércio. Onde antes tudo era determinado e dirigido por um governo liderado politicamente, assistimos agora ao nascimento de um sector privado muito livre, que é incentivado pelo governo que está lá para o apoiar e para proporcionar facilidades administrativas. Existe supervisão, como acontece com qualquer governo, quer na Europa quer em qualquer outra parte do mundo, mas que permite que o setor privado desenvolva as suas próprias estratégias e vá para onde sente que é melhor, tomando as suas decisões por si próprio, e assumindo total responsabilidade pelo que faz.
PL: Quais são as principais preocupações protocolares que tem em atenção ao fazer negócios com líderes e investidores asiáticos?
JW: Em matéria de protocolo, os aspetos e âmbitos culturais são, certamente, factores muito importante na concretização de negócios. Mas, com a globalização mundial e o mundo dos negócios a ficar cada vez “menor”, também a Ásia está a tornar-se uma parte da comunidade global de negócios. Nos últimos 8 a 10 anos em particular, noto que a sofisticação, o conhecimento de como o negócio é feito no ocidente, é cada vez melhor compreendida no outro lado do setor empresarial, seja com empresas estatais ou como empresas privadas. No entanto, existem ainda algumas áreas culturais que, diria eu, se podem, de um modo mais geral, atribuir a todos os países. Conflito e confronto direto devem ser evitados na mesa de negociação. Isto é particularmente importante com países como a China. Nunca coloque ninguém, durante uma negociação, numa posição onde seja forçado a dizer “Não” ou para fazer uma abordagem correta. Tente encontrar uma maneira indireta de rodear a questão, facilitando uma resposta para a pergunta, particularmente se for algo de negativo ou algo que eles sintam muito desconfortável ter de abordar.
Tente ser você mesmo, não tente ser chinês. É muito importante. O mesmo se aplica também ao Vietnam. Muitas empresas vêm para a China, ou para a Ásia, sentindo que têm de se asianizar, têm de ser asiáticas, quando na verdade a maioria das empresas da Ásia estão realmente a observar quais os seus pontos fortes, o caráter e a dinâmica que traz do seu próprio país. São essas características que os atraem para falarem consigo e querem, primeiro que tudo, desenvolver um relacionamento consigo. Por isso, é importante entender e promover esse factor.
Promova o seu melhor, a sua força, a experiência e o conhecimento que tem. Verá que muitos chineses que estudam ou trabalham atualmente no exterior, não o fazem apenas porque sentem que talvez recebam uma educação mais ampla, mas porque essa exposição à cultura ocidental, às formas ocidentais de viver, de pensar e de fazer negócios e à possibilidade de trazer essa experiência de volta à China irão ajudar as empresas que integram a continuar os seus processos de globalização e a fortalecer as relações que têm com o ocidente.
PL: O que espera da China nos próximos 2 ou 3 anos?
JW: Muito curioso o que a China está a passar com a nova liderança. É um cliché, mas vivemos realmente em tempos muito interessantes. Há novas políticas, novas estratégias, novos planos a serem postos em prática por este governo, em apenas 18 meses de um mandato de cinco anos, que estão definitivamente a dar um novo rumo para a China. Estão a entrar em território desconhecido, por isso é fascinante viver e trabalhar neste país, nesta fase. Podemos ver diariamente a população na rua, a sociedade em geral, os que trabalham no governo, os pensionistas, crianças jovens, trabalhadores, empresários, todos eles a serem confrontados com desafios, para os quais não têm nenhuma experiência precedente. E a tentarem ganhar algum conforto, a saberem que rumos devem seguir, que decisões podem e devem tomar. Essas dinâmicas são muito interessantes de assistir nesta fase.
Tendo vivido na China durante mais de 30 anos, vejo o desenvolvimento do país nos próximos 2 a 3 anos, como uma tendência positiva. Mas, como em todas as coisas na China, sabemos que, ao longo do tempo, há sempre solavancos e desafios no caminho, que há obstáculos. Mas o governo chinês e a sua liderança sempre foram capazes de superá-los. Pode levar tempo, podem ter de alterar ou de afinar as políticas que têm implementado, mas em última análise, a tendência é positiva, tendo em conta o forte crescimento e o estar a ponto de garantirem um bom ambiente económico sustentado e estável, mas também igualmente importante, um bom ambiente social.
Joanne K. Wood é undadora e CEO da Capital Eight, dedicada ao investimento e especializada em finanças corporativas com sede em Xangai. Anteriormente foi gestora sénior em finanças corporativas na UBS, Jardine Fleming e GE Capital na Europa, EUA e China. Possui mais de 30 anos de experiência em investimento bancário, 20 deles com foco na China. Entre os seus clientes encontram-se muitos dos Fortune 500, FTSE 100 e Sino 400.